Tuesday, October 9, 2012

O maior escândalo da história da República?

por Antonio Cícero Cassiano Sousa, originalmente publicado no Jornal Inverta no. 446, em 24/09/2012

O chamado escândalo do “mensalão” veio à tona com a divulgação em 2005 de um vídeo onde um funcionário dos Correios era flagrado recebendo propina de um suposto empresário interessado em licitações. Aparentemente algo corriqueiro na administração do Estado burguês. O que estava por vir, no entanto, adquiriu conotação de grave crise política que ameaçou a reeleição do então presidente Lula. A imprensa dos monopólios voltou-se para o caso com todas as suas baterias, no melhor estilo copiado do nazifascismo de uma mentira (no caso, trata-se de uma velha prática apresentada como novidade – esta é a falsificação!) repetida mil vezes se torna verdade. O operador das transações seria o publicitário Marcos Valério. Quando as denúncias chegam à cúpula do PTB, o Sr. Roberto Jeferson assume o papel de denunciante e volta-se contra a cúpula do PT, acusando-a de patrocinar um esquema de compra de votos. Nas entrelinhas, o apresentador do sensacionalista “Povo na TV” deixava entender que havia mais a denunciar, como caixa dois na campanha de FHC. Durante meses, a mídia burguesa exibiu o espetáculo, que se não inviabilizou a reeleição de Lula, foi suficiente para manter o governo na “rédea curta”.

Além de prática secular na administração do Estado pela burguesia no Brasil e no mundo, o escândalo do mensalão revela uma disputa entre as oligarquias. Com a eleição de Lula, houve o deslocamento do setor das oligarquias que representava o City Group (Citibank) e o Grupo Opportunity de Daniel Dantas (governo FHC). Este setor havia participado da farra das privatizações, especialmente na área das telecomunicações, o volume de negócios chegou aos 16 bilhões de dólares, fazendo os milhões de reais do Sr. Marcos Valério parecerem uma ninharia. Hoje a articulação Opportunity-PSDB-PFL (DEM) ganha maior comprovação com as denúncias de envolvimento do semanário Veja, Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres na preparação da situação que permitiu a gravação do vídeo do recebimento da propina nos Correios.

Em 2007, o Procurador Geral da República denuncia o chamado “mensalão tucano”, mais um elemento a confirmar o que já se sabia ser prática comum, dela se beneficiara o governador do PSDB de Minas Gerais Eduardo Azeredo para se eleger em 1998. Segundo a denúncia, ali se formou o laboratório para os atos denunciados em 2005. Documentos da Procuradoria também responsabilizam empresas (Telemig e Amazônia Celular) controladas pelo Banco Opportunity, de Daniel Dantas, no financiamento do Valerioduto. Tais denúncias levaram a condenação e prisão do banqueiro, mas o que parece ser um negócio de expropriação vultosa de recursos públicos não mereceu o destaque conferido ao chamado mensalão petista. Certamente porque aqui estão mergulhados até o pescoço setores da mídia burguesa, cúpula do PSDB e banqueiros ligados ao esquema tucano.

Com a eleição de Lula em 2002, esses grupos que promoveram a escandalosa rapinagem das privatizações se viram, de alguma forma, deslocados do centro das atuações e ameaçados por novos atores. A venda do patrimônio estatal se completara praticamente, e a disputa se acirrava.

Como, o que parece ser o ato final do caso – o julgamento dos acusados do mensalão – está distante da intrincada disputa entre as oligarquias, acirrada por uma crise estrutural e orgânica do capitalismo que aflorou em 2008 em proporções que superam a crise de 1929! Além das disputas entre os dois ministros Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, há muitos personagens fora do processo, muitas pontas que não se ligam. Por que algumas figuras da CPI do Cachoeira não aparecem no julgamento do mensalão?  O julgamento ser simultâneo às eleições municipais faz dele uma peça na disputa eleitoral, e sua compreensão em termos dos reais interesses de classes pode contribuir para o fortalecimento das forças progressistas nas eleições e para o acúmulo de força da classe operária.

Se sucessivas crises reduzem os meios do capitalismo preveni-las, também as instituições vão se deteriorando, daí os escândalos de corrupção em todo o sistema. No entanto, a corrupção não é mais que um sintoma de uma anomalia sistêmica: um modo de produção que tem como lei fundamental a expropriação do trabalho, concentrando num polo cada vez mais riqueza em mãos de uma minora e no outro, a miséria crescente das massas. Para esconder esse escândalo, as oligarquias e seus aparelhos ideológicos – mídia e sistema jurídico – não podem passar da superfície, exigindo que se observe além da cena aberta.


o original pode ser lido em: http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/461/politica/o-maior-escandalo-da-historia-da-republica

Sunday, September 16, 2012

Trinta anos do Massacre de Sabra e Shatila


traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.

Há trinta anos, em Sabra e Shatila, na periferia de Beirute, um massacre foi cometido pelas falanges maronitas contra libaneses e palestinos refugiados, sob a vigilância cúmplice de tropas israelenses.
Abaixo um trecho do livro Pobre Nação do jornalista inglês Robert Fisk que relata suas impressões do massacre:
                Foram as moscas que nos contaram. Havia milhões delas, o zumbido quase tão eloquente quanto o cheiro. Do tamanho de varejeiras, elas nos cobriram, sem saber diferenciar a princípio, os vivos dos mortos. Se parávamos, escrevendo em nossos blocos de notas, elas pousavam como um exército − legiões delas −, na superfície branca do papel, nas mãos, nos braços, nos rostos, sempre juntando-se ao redor dos olhos e da boca, movendo-se de corpo para corpo, dos muitos mortos para os poucos vivos, de cadáver para repórter, seus pequenos corpos agitando-se com excitação ao encontrar carne nova para pousar e fazer um banquete.
                Se não nos movíamos rapidamente, elas nos picavam. A maioria ficava em volta de nossas cabeças, numa nuvem cinza, esperando assumirmos a generosa imobilidade dos mortos. Eram prestativas, essas moscas, formando nosso único elo físico com as vítimas que jaziam perto de nós, lembrando-nos de que há vida na morte. Alguns se beneficiam. As moscas eram imparciais. Não importava nem um pouco que os corpos aqui fossem vítimas de assassinato em massa. As moscas teriam agido assim com os mortos insepultos de qualquer comunidade. Sem dúvida, foi desse jeito nas tardes quentes durante a Grande Praga.
                No início, não usamos a palavra massacre. Mal falamos, porque as moscas infalivelmente voariam para dentro de nossas bocas. Pusemos lenços sobre as bocas por esse motivo, depois cobrimos também os narizes, porque os insetos moviam-se sobre nossos rostos. Se o cheiro dos mortos em Sidon era nauseante, o fedor em Chatila provoca ânsias de vômito. Mesmo com os mais grossos lenços, nós sentíamos o cheiro. Após alguns minutos, nós começamos a cheirar como os mortos.
                Eles estavam por todas as partes, na rua, nas vielas, nos quintais e cômodos destruídos, embaixo de construções demolidas e sobre montes de lixo. Os assassinos − os milicianos cristãos que Israel deixara entrar nos campos para "desentocar os terroristas" − haviam acabado de partir. Em alguns casos, o sangue ainda estava molhado no solo. Quando chegamos a cem, paramos de contar os corpos. Em cada viela, havia cadáveres − mulheres, homens jovens, bebês e avós − caídos juntos em desordenada e terrível profusão, no local onde tinham sido esfaqueados ou metralhados. Cada corredor em meio aos destroços apresentava mais corpos. Os pacientes de um hospital palestino desapareceram depois que os pistoleiros ordenaram aos médicos para saírem. Em todos os cantos, encontramos sinais de covas coletivas escavadas apressadamente. Talvez mil pessoas tenham sido chacinadas; provavelmente 1.500.
                Mesmo enquanto estávamos lá, em meio às evidências de tanta selvageria, podíamos ver os israelenses nos observando. Do alto da torre a oeste − o segundo edifício na Avenue Camille Chamoun −, era possível vê-los olhando para nós com binóculos, examinando de um lado para outro as ruas cheias de cadáveres, as lentes às vezes refletindo a luz do sol enquanto vasculhavam o campo. Loren Jenkins praguejou um bocado. Eu imaginei que provavelmente era seu jeito de controlar as sensações de náusea no meio do fedor terrível. Todos nós queríamos vomitar. Nós estávamos respirando morte, inalando a putrescência dos corpos inchados em volta. Jenkins imediatamente deu-se conta de que o ministro da Defesa israelense é quem teria que arcar com alguma responsabilidade por esse horror. "Sharon!", ele gritou. "Aquele filho-da-puta do Sharon! Isso é a repetição de Deir Yassin."
                O que encontramos dentro do campo palestino de Chatila às dez da manhã de 18 de setembro de 1982 é inacreditável demais para se descrever, embora talvez fosse mais fácil recontar na prosa fria de um relatório médico. Já haviam acontecido massacres no Líbano, mas raramente nessa escala e jamais sob as vistas grossas de um exército regular e supostamente disciplinado. No pânico e ódio da batalha, dezenas de milhares foram mortos neste país. Mas essas pessoas, centenas delas, foram abatidas desarmadas. Isso era um assassinato em massa, um incidente − com que facilidade usávamos a palavra "incidente" no Líbano − que também era uma atrocidade. Ia muito além até mesmo do que os israelenses teriam chamado, em outras circunstâncias, de uma atrocidade terrorista. Era um crime de guerra.
                Jenkins, Tveit e eu ficamos tão estupefatos pelo que encontramos em Chatila que, no começo, não conseguimos registrar nosso próprio choque. Bill Foley, da AP, viera conosco. Tudo o que ele dizia enquanto andava ao redor era "Jesus Cristo!", repetidas vezes. Nós talvez tivéssemos conseguido aceitar as evidências de uns poucos assassinatos; até mesmo dezenas de corpos, mortos no calor do combate. Mas havia mulheres jogadas em casas com suas saias rasgadas até a cintura e as pernas bem abertas, crianças com as gargantas cortadas, filas de homens jovens com tiros nas costas após terem sido alinhados diante de um muro de fuzilamento. Havia bebês − bebês enegrecidos, porque tinham sido chacinados havia mais de 24 horas e seus pequenos corpos já estavam em estado de decomposição − jogados em monturos junto a latas descartadas de ração dos EUA, equipamentos médicos do exército israelense e garrafas vazias de uísque.

                Onde estavam os assassinos? Ou, para usar o vocabulário dos israelenses, onde estavam os "terroristas"? Quando fomos de carro para Chatila, vimos os israelenses no alto dos prédios residenciais na Avenue Camille Chamoun, mas eles não fizeram nenhuma tentativa de deter-nos. Na verdade, nós fomos primeiros para o campo de Bourj al-Barajneh, porque alguém nos disse que havia acontecido um massacre lá. Tudo o que vimos foi um soldado libanês perseguindo um ladrão de carro em uma rua. Só quando estávamos voltando, passando diante da entrada de Chatila, é que Jenkins decidiu parar o carro. "Não estou gostando disso", ele disse. "Onde está todo mundo? Que porra de cheiro é esse?"
                Bem na entrada sul do campo costumava haver algumas casas térreas de concreto. Eu fizera muitas entrevistas dentro desses casebres no fim dos anos 1970. Quando andamos pela entrada lamacenta de Chatila, descobrimos que essas construções tinham sido dinamitadas. Havia cartuchos de balas espalhados pela rua principal. Vi diversos cartuchos de sinalizadores israelenses, ainda presos aos seus pequenos paraquedas. Nuvens de moscas sobrevoavam os destroços, atacando com determinação as pessoas.
                Numa ruela à direita, a não mais de cinquenta metros da entrada, tinha uma pilha de cadáveres. Havia mais de uma dúzia deles, rapazes cujos braços e pernas emaranhavam-se na agonia da morte. Todos tinham recebido tiros à queima-roupa no rosto, a bala rasgando uma linha de carne até a orelha e entrando no cérebro. Alguns tinham cicatrizes pretas ou rubras no lado esquerdo das gargantas. Um fora castrado, a calça rasgada e um monte de moscas pulsando sobre o ventre exposto.
                Os olhos desses jovens estavam abertos. O mais novo teria apenas doze ou treze anos. Eles vestiam jeans e camisas coloridas, a roupa absurdamente justa sobre a carne, agora que os corpos tinham começado a inchar no calor. Eles não foram roubados. Num pulso enegrecido, um relógio suíço marcava a hora correta, o ponteiro dos segundos ainda andando inutilmente, gastando as últimas energias do seu dono morto.
                No outro lado da rua principal, numa trilha pelos escombros, encontramos os corpos de cinco mulheres e várias crianças. As mulheres eram de meia-idade e seus cadáveres estavam jogados sobre um monte de pedras. Uma estava caída de costas, a saia rasgada e a cabeça de uma menininha saindo debaixo dela. A criança tinha cabelos negros encaracolados e curtos, seus olhos nos encaravam e as sobrancelhas estavam franzidas. Ela estava morta.
                Outra menina jazia na rua como uma boneca descartada, seu vestido branco manchado com lama e poeira. Ela não devia ter mais de três anos. A parte de trás da cabeça fora destruída por uma bala disparada contra o seu cérebro. Uma das mulheres segurava um bebezinho junto ao corpo. A bala atravessara seu peito e também matara o nenê. Alguém havia cortado o ventre da mulher, horizontalmente e depois para cima, talvez tentando matar a criança não nascida. Seus olhos estavam arregalados, o rosto escurecido congelado em horror.

Thursday, August 30, 2012

Cúpula do Movimento dos Não Alinhados, Irã e Síria: um golpe de Estado contra o Ocidente?

por Mahdi Darius Nazemroaya, traduzido por Vinicius C para o Batalha de Ideias.

A próxima cúpula do Movimento dos Países Não Alinhados (MNA) será realizada em Teerã de 26 a 31 de agosto em 2012. O MNA e sua cúpula costumam ser ignorados no mundo atlantista dos Estados Unidos e da OTAN, mas o encontro deste ano chamou a atenção dos atlantistas e sua imprensa. A razão é que o local da cúpula do MNA tem perturbado o stablishment político em Washington, DC.

O governo dos EUA está muito apreensivo e chegou a repreender os líderes do MNA que se reúnem no Irã. A porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Victoria Nuland - esposa do arqui-imperialista e cofundador do neo-con Projeto do Novo Século Americano (PNAC), Robert Kagan - pediu ao novo presidente do Egito, Mohamed Morsi, e até mesmo ao Secretário-Geral da ONU Ban Ki-Moon, servo particular de Washington, a não viajar para Teerã. Nuland e o Departamento de Estado dos EUA declararam amargamente que o Irã não é merecedor de tais "presenças de alto nível". Os EUA, no entanto, são obrigados a sorrir e aguentar a reunião dos líderes mundiais em Teerã.
O que vai acontecer é uma extravagância internacional, sem a OTAN e seus principais membros de facto - Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul - na região da Ásia-Pacífico e Israel. Representantes da África, Ásia, Caribe e América Latina estarão lá com força total. Os chineses, que têm o estatuto de observadores no MNA, estarão lá. Os russos, que não fazem parte do MNA, foram convidados como convidados especiais do Irã, e serão representados por Konstantin Shuvalov, embaixador russo itinerante e enviado de Vladimir Putin. Mesmo a Turquia, sem ser membro do MNA, recebeu um convite de Teerã. Para ajudar os palestinos, ao Hamas também será dado um assento especial na mesa de acordo com um convite enviado do Irã ao primeiro-ministro palestino Ismail Haniyeh para participar na cúpula lado a lado com o fantoche estadunidense-israelense Mahmoud Abbas. Juntamente com a Federação Russa, a maior parte dos membros da Comunidade de Estados Independentes (CEI) comparecerá ou como membros plenos ou como observadores. Ao lado dos chineses e russos, os outros três membros do grupo dos BRICS – Brasil, Índia e África do Sul – que está se tornando o novo motor a moldar o mundo, também estarão presentes.

A Cúpula MNA, Irã e Síria: um golpe de Estado contra o Ocidente?

A reunião de líderes do MNA será sem dúvida um evento importante para o prestígio e o status internacional do Irã. Durante quase uma semana, Teerã será um centro-chave do mundo, ao lado dos escritórios da ONU em Nova York e Genebra. Não só o Irã será o ponto de encontro para uma das maiores reuniões de líderes mundiais como também lhe será entregue a presidência da organização pela grande potência árabe, o Egito. O Irã manterá esta posição como o líder do MNA durante os próximos anos e será capaz de falar em nome da organização internacional. Até certo grau, esta posição permitirá Teerã a ter mais influência nos assuntos mundiais. Pelo menos esta é a visão em Teerã, onde nada do significado do MNA foi perdido para os políticos e responsáveis iranianos que um depois do outro destacam a importância da cúpula do MNA para o seu país.
O MNA é a segunda maior organização internacional do mundo, depois das Nações Unidas. Com 120 membros plenos e 17 membros observadores, inclui a maior parte dos países e governos do mundo. Cerca de dois terços dos estados-membros da ONU são membros plenos do MNA. A União Africana, a Organização de Solidariedade do Povo Afro-Asiático, a Commonwealth de Nações, o Movimento Independentista Nacional Hostosiano, a Frente de Libertação Socialista Nacional Kanak, a Liga Árabe, a Organização de Cooperação Islâmica, o South Center, as Nações Unidas e o Conselho Mundial da Paz também são observadores.
Os EUA e a OTAN, que muito generosa e equivocadamente utilizam a expressão "comunidade internacional" quando se referem a si próprios, são realmente uma minoria global que se eclipsa em comparação com o agrupamento internacional formado pelo MNA. Quaisquer acordos ou consensos do MNA representam não só o grosso da comunidade internacional como também a maioria internacional não-imperialista ou aqueles países que tradicionalmente têm sido encarados como os "pobres". Ao contrário da ONU, a "maioria silenciosa" terá a sua voz ouvida com pouca alteração e perversão dos confederados da OTANstão.
A reunião do MNA em Teerã significa um evento importante. Demonstra que o Irã na verdade não está isolado internacionalmente como os Estados Unidos e as grandes potências da União Europeia, tais como o Reino Unido e a França, gostam de projetar continuamente. Os grandes meios de comunicação atlantistas estão se contorcendo para explicar esta situação e os israelenses estão claramente inquietos.
Não há dúvida de que o Irã utilizará a reunião internacional em seu benefício e aproveitará o MNA para reforçar o apoio às suas posições internacionais e para ajudar a tentar dar fim à crise na Síria. O assédio à Síria apoiado pelos EUA será denunciado na conferência do MNA e porradas diplomáticas serão dadas nos EUA e seus clientes e satélites. Já a apressada conferência ministerial acerca dos combates na Síria organizada em Teerã pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano antes da cúpula de emergência efetuada pela Organização de Cooperação Islâmica em Meca foi um prelúdio para o apoio diplomático que o Irã dará à República Árabe Síria na cúpula de 2012 do MNA.
Apesar da oposição argelina e iraniana, a Síria foi expulsa da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) a pedido da Arábia Saudita e das petro-monarquias. Ainda que a cúpula de emergência da OCI em Meca tenha sido uma bofetada política e diplomática para Damasco, espera-se que a situação seja muito diferente na cúpula do MNA em Teerã. Os sírios também estarão presentes em Teerã e aptos a enfrentar seus antagonistas árabes das petro-monarquias do Golfo Pérsico.

A gênese do Movimento dos Não Alinhados e do Terceiro Mundo

O Movimento dos Países Não Alinhados e conceito de "Terceiro Mundo" tem suas raízes no período de descolonização depois da Segunda Guerra Mundial, quando os impérios da Europa Ocidental começaram a desintegrar-se e encerrar formalmente. Isto só representou um fim superficial à dominação dos mais fracos pelos mais fortes. Na realidade, o colonialismo foi apenas substituído por “ajuda externa” e empréstimos pelos impérios em declínio. Neste contexto, os britânicos poderiam oferecer ajuda às suas antigas colônias, enquanto os franceses e holandeses fariam o mesmo com suas ex-colônias para manter o controle sobre elas. Desta forma, a exploração nunca terminou de fato e o mundo foi mantido num estado de desequilíbrio. As Nações Unidas também foram reféns das grandes potências e ignorou muitas questões importantes sobre lugares como a África e a América Latina.
O que levou à formação do MNA foi primeiramente uma rejeição à dominação e interferência dos países do "Norte global" - um termo que será definido em breve – e o conceito de coexistência que a Índia e a China forjaram em 1954, quando Nova Deli reconheceu o Tibete como parte da China.
O MNA começou como uma iniciativa asiática, que procurou abordar as tensas relações entre a China e os EUA de um lado e as relações da China com outras potências asiáticas, por outro lado. Os novos estados independentes da Ásia queriam evitar qualquer elevação do tom da Guerra Fria em seu continente, especialmente depois da desastrosa intervenção militar estadunidense na Coreia ou a manipulação da Índia e da Indonésia como estados-tampão contra a República Popular da China. A iniciativa asiática foi rapidamente ampliada e ganhou o apoio da República Federal Socialista da Iugoslávia, Egito e dos vários líderes dos movimentos nacionalistas de independência na África, que lutavam por sua libertação contra os países da OTAN como a Grã-Bretanha, França e Portugal.
O presidente iugoslavo Josip Broz Tito, o primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru e o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser foram as três principais forças por trás da criação da organização. Kwame Nkrumah, líder pan-africano marxista de Gana e Ahmed Sukarno, o líder da Indonésia, também poriam força no MNA e se juntariam a Tito, Nehru e Nasser. Esses líderes e seus países não viam a Guerra Fria como uma luta ideológica. Isso foi uma cortina de fumaça. Para suas perspectivas, a Guerra Fria era uma disputa de poderes e a ideologia foi meramente usada como justificativa.

 Os diferentes mundos da Guerra Fria

A palavra "não-alinhamento" foi usada pela primeira vez no cenário mundial por Vengalil Krishnan Krishna Menon, embaixador da Índia na ONU, enquanto o termo "Terceiro Mundo" foi usado, pela primeira vez, pelo estudioso francês Alfred Sauvy. Terceiro Mundo é um termo muito debatido na política e alguns acham que é desregulatório e etnocêntrico. Para o ponto de confusão, a categoria Terceiro Mundo está inextricavelmente interligada com o conceito de não-alinhamento e do MNA.
Tanto o MNA e, especialmente, o Terceiro Mundo são mal e descuidadamente usados ​​como sinônimos para os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos ou como indicadores econômicos. Os países mais carentes do Terceiro Mundo eram ex-colônias ou estados menos abastados em lugares como África e América Latina que foram vítimas do imperialismo e da exploração. Isto levou à identificação geral, ou o erro de identificação, do MNA e de países do Terceiro Mundo com os conceitos de pobreza. Isso é errado e não representa o que qualquer um dos termos significa.
Terceiro Mundo era um conceito que se desenvolveu durante o período da Guerra Fria para distinguir os países que não faziam parte formalmente do Primeiro Mundo, que foi formado pelo Bloco Ocidental, e o Bloco do Leste / Soviético e do mundo comunista que formou o chamado Segundo Mundo. Em teoria, a maioria desses terceiromundistas eram neutros e juntar-se ao MNA era uma expressão formal dessa posição de não-alinhamento.
Além de serem considerados segundomundistas, os estados comunistas como a República Popular da China e de Cuba têm sido amplamente classificados como partes do Terceiro Mundo e considerou-se-os como partes da terceira força global. A perspectiva do presidente Mao, definida através de seu conceito de Três Mundos, também apoiou a classificação dos Estados comunistas como Angola, China, Cuba e Moçambique como terceiromundistas, porque não pertenciam ao bloco soviético como a Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria e Polônia.
Nas interpretações mais ortodoxas sobre o significado político do Terceiro Mundo, o Estado comunista da Iugoslávia era uma parte do Terceiro Mundo. No mesmo contexto, o Irã, devido aos seus laços com a OTAN e sua participação na Organização do Tratado Central (CENTO), controlada pelos EUA, era politicamente uma parte do Primeiro Mundo até a Revolução Iraniana, em 1979. Assim, a referência à Iugoslávia como um país de Segundo Mundo e ao Irã como um país de Terceiro Mundo antes de 1979 está incorreta.
O termo Terceiro Mundo também deu origem à categoria de "Sul Global". Este nome é baseado na situação geográfica do Terceiro Mundo ao sul do mapa como oposição à situação geográfica ao norte do Primeiro e do Segundo Mundos, ambos começaram a ser coletivamente chamados de "Norte global". Os conceitos Norte e Sul passaram a substituir lentamente os termos Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo, especialmente no fim da Guerra Fria e a partir da queda da União Soviética.

Bandung, Belgrado e a formação dos Não-Alinhados

O MNA foi estruturado quando os terceiromundistas que estavam entre os atlantistas e os soviéticos durante a Guerra Fria tentaram formalizar a sua terceira via ou força. O MNA nasceu depois da Conferência de Bandung, em 1955, o que enfureceu os EUA e o Bloco Ocidental que o viam como um entrave aos seus interesses globais.
Contrariamente às opiniões do Bloco Ocidental, a União Soviética era muito mais predisposta a aceitar o MNA. O premiê soviético Nikita Khrushchev, em 1960, chegou a propor que a ONU fosse gerida por uma "troika" composta pelo Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos em vez de seu secretariado-geral influenciado pelo Ocidente na cidade de Nova York, que foi conivente com os EUA na remoção do primeiro-ministro Patrice Lumumba do poder na República Democrática do Congo, assim como outros líderes mundiais independentes.
Fidel Castro em Cuba, sede da cúpula do MNA em 1979, quando o Irã aderiu como octagésimo-oitavo membro, argumentou que o Segundo Mundo e os movimentos comunistas eram os "aliados naturais" do Terceiro Mundo e do MNA. As atitudes favoráveis ​​de Nasser e Nehru para com a União Soviética e o apoio do bloco soviético a vários movimentos de libertação nacional também dão credibilidade para a colocação de Cuba sobre a aliança entre Segundo e Terceiro Mundos contra a exploração capitalista e as políticas imperialistas do Primeiro Mundo.
A primeira cúpula do MNA seria realizada na capital iugoslava de Belgrado, em 1961, sob a presidência do Marechal Tito. A cúpula em Belgrado pediria o fim de todos os impérios e da colonização. Tito, Nehru, Nasser, Nkrumah, Sukarno e outros líderes do MNA exigiriam o fim da dominação colonial dos europeus ocidentais na África e deixassem os povos africanos decidirem seus próprios destinos.
A conferência preparatória também foi realizada alguns meses antes, no Cairo, por Gamal Abdel Nasser. Nas reuniões preparatórias, o não-alinhamento foi definido por cinco pontos:
(1) Os países não alinhados devem seguir uma política independente de coexistência de nações com variados sistemas políticos e sociais;
(2) os países não alinhados devem ser consistentes no seu apoio à independência nacional;
(3) os países não alinhados não devem pertencer a uma aliança multilateral feita num contexto político das superpotências ou dos grandes países;
(4) Se os países não alinhados têm um acordo bilateral com grandes potências ou pertencem a um pacto de defesa regional, estes acordos não deverem ser concluídos no contexto da Guerra Fria;
(5) Se os Estados não alinhados cederem bases militares para uma grande potência, estas bases não devem ser concedidas no contexto da Guerra Fria.
Todas as conferências do MNA nos anos seguintes abrangeriam questões vitais, como a inclusão da República Popular da China na ONU, os combates na República Democrática do Congo, as guerras africanas de independência contra a países da Europa Ocidental, a oposição à apartheid e ao racismo e o desarmamento nuclear. Além disso, o MNA foi tradicionalmente hostil ao sionismo e condenou a ocupação dos territórios palestinos, libaneses, sírios e egípcios por Israel, o que lhe rendeu a aguerrida e interminável aversão de Tel Aviv.

Tornando o MNA relevante novamente

Muitos perguntam qual a relevância do Movimento dos Não Alinhados hoje. Desde o fim da Guerra Fria, a força do MNA tem sido corroída enquanto os EUA, as reformas econômicas neoliberais, o FMI e o Banco Mundial têm ganhado cada vez mais controle sobre os membros do MNA. Em muitos casos, os membros do MNA voltaram para a condição de colônias de facto em todos os aspectos, exceto o nome. Muitos membros do MNA, como Belarus, Colômbia, Etiópia e Arábia Saudita, são na verdade estados alinhados.
Não há dúvidas de que o Irã quer tornar o MNA novamente relevante para usá-lo para combater a ordem atlantista em expansão. Bem como os russos e os chineses. O MNA afinal deu um importante apoio diplomático ao Irã na politizada disputa nuclear com os atlantistas. O MNA é também a alternativa mais próxima à pró-atlantista e interessada Nações Unidas.
A cúpula do MNA será aproveitada pelo Irã e seus aliados para tentar desenvolver algum tipo de estratégia para lutar e contornar as sanções unilaterais dos EUA e da União Europeia contra a economia iraniana e para mostrar aos atlantistas nos EUA e na UE que seus poderes no mundo são limitados e estão em declínio. Um pequeno passo nessa direção está no fato de o Irã começar as negociações com 60 países do MNA para derrubar os requisitos bilaterais de visto com o Irã. Uma declaração universal também pode ser liberada pedindo que as sanções anti-iranianas sejam suprimidas ou alteradas. Outras medidas incluem propostas para uma estrutura financeira global nova e alternativa, que neutralizaria o domínio atlantista sobre as transações financeiras internacionais.
Um acontecimento importante na cúpula do MNA será a chegada de Morsi a Teerã, como um sinal do aquecimento das relações. Os laços entre Cairo e Teerã não serão restaurados da noite para o dia, porque há restrições sobre Morsi. Aconteça o que acontecer entre o Egito e o Irã na cúpula do MNA em Teerã será os passos iniciais de um lento processo. Os egípcios estão se esforçando para não contrariar seus patrões ocidentais e árabes e os iranianos optaram por serem pacientes. A presença de Morsi no Irã, no entanto, ainda é simbolicamente muito importante. Teerã de fato tem motivos para estar muito otimista quanto todas as suas estrelas estão se alinhando na gala do MNA.
Os círculos diplomáticos estão olhando para o Egito, na véspera da cúpula do MNA. Antes, foi anunciado que Morsi iria para o Irã, era esperado que o vice-presidente egípcio Mahmoud Mekki representasse o Egito na cúpula do MNA como uma demonstração do estranhamento entre Egito e Irã.
A relação do Cairo com Teerã e que se desenvolve a partir da viagem de Morsi ao Irã é o que todos os xecados, Israel e os EUA estão observando cuidadosamente.
Alguns analistas estão afirmando que a postura do Egito poderia "consolidar ou quebrar" o projeto de isolamento do Irã, especialmente em termos sectários envolvendo uma divisão xiita-sunita. Isto é, na verdade, uma mentira, porque não há nada de especialmente significativo que o Egito possa fazer para quebrar ou isolar o Irã. Afinal, Cairo e Teerã essencialmente não têm vínculos desde 1980 e Mubarak foi um aliado incondicional dos EUA que colocou o Egito para trabalhar com a Arábia Saudita e Israel para minar a influência iraniana.
No pior cenário, a relação entre os dois países vai ficar como foi durante a era Mubarak. Esta não é uma situação de perda para o Irã, ainda que a situação na Síria tenha catalisado o desejo iraniano para uma aproximação mais veloz. As relações egípcio-iranianas não têm para onde ir a não ser para cima.
Os protestos na Praça Tahrir (Libertação) que destronaram Mubarak e ajudaram na realização das eleições que levaram a Irmandade Muçulmana egípcia ao poder são parte do que os funcionários iranianos chamam de "despertar islâmico" em contraste a uma "Primavera Árabe." O Irã não escondeu sua crença de que o Egito quer e pode, eventualmente, formar um novo eixo regional depois de o ditador vitalício Mubarak ter sido expulso do poder. Se existe um homem que pode dar o salto a partir da concepção de uma primavera árabe a um despertar islâmico, pelo menos publicamente, é o presidente Morsi por meio de uma aliança com o Irã.
A 8 de agosto, o Irã enviou Hamid Baqaei para entregar o convite de participação da cúpula do MNA em Teerã para Morsi. Ao longo do caminho, a imprensa internacional e especialistas aumentaram a classificação governamental de Baqaei, por não terem percebido ou mencionado que ele era o mais antigo dos 11 juniores ou assistentes de vice-presidentes e, essencialmente, o ministro responsável pelos assuntos executivos da presidência iraniana.
O primeiro vice-presidente Mohammed Reza Rahimi-, ex-governador da província iraniana do Curdistão e ele próprio um ex-vice-presidente júnior, é o vice-presidente sênior do Irã. Independentemente disso, a visita de Baqaei ao Cairo como um enviado presidencial e assessor presidencial próximo foi importante. O Irã poderia ter entregue a carta-convite para o Egito pela sua seção de interesse na Embaixada da Suíça ou outros canais diplomáticos, mas fez um gesto significativo enviando Baqaei diretamente para o Egito. O movimento deixou todos os países que conspiram contra o Irã e a Síria muito receosos. Para esses países, a confraternização do MNA em Teerã vai se concentrar no Egito, Irã e Síria.

Os movimentos da Arábia Saudita, Catar e do FMI no Egito estão ligados à Cúpula do MNA em Teerã?

Tanto a Arábia Saudita quanto o Qatar ofereceram ao Egito uma ajuda financeira antes das visitas de Morsi a Pequim, onde ele é esperado para pedir uma ajuda ao país. Além da ajuda saudita e catariana poder ser utilizada para moldar a forma como a Irmandade Muçulmana egípcia interage com o Irã, as ofertas de ajuda dos petro-déspotas de Doha e Riad são parte da competição árabe sobre influência no Cairo.
Morsi é amplamente visto como um homem do Qatar e as relações entre Riad e Cairo não têm sido fáceis há algum tempo. A embaixada saudita no Cairo chegou a ser temporariamente fechada depois da irrupção dos protestos egípcios contra a Arábia Saudita. Mais importante, a Casa de Saud opôs-se a Morsi em apoio ao capanga de longa data de Mubarak, Ahmed Shafik, durante as eleições presidenciais egípcias. Além disso, a Casa de Saud tem apoiado os seus próprios clientes políticos dentro do Egito contra a Irmandade Muçulmana. Os clientes egípcios da Casa de Saud, o Partido Nour e sua coalizão parlamentar chamada Aliança para o Egito (Bloco islâmico), estão em segundo lugar, atrás da coalizão parlamentar da Irmandade Muçulmana, a Aliança Democrática.
Apesar de Doha e Riad servirem os interesses dos EUA, os dois xecados têm uma rivalidade um com o outro. Esta rivalidade Catar-Arábia Saudita acendeu-se novamente depois de uma breve pausa, na qual os dois lados invadiram a ilha-reino do Bahrein para apoiar o regime de Al Khalifa e trabalharam juntos contra os governos da Líbia e da Síria.
A rivalidade entre Saud e Al-Thani viu os dois lados apoiarem os diversos grupos armados na Líbia e combaterem as forças antigovernamentais durante a chamada Primavera Árabe (ou Despertar islâmico de acordo com Teerã). As eleições no Egito, onde Doha e Riad apoiaram lados diferentes, só adicionou combustível para o fogo do Qatar e da Arábia Saudita.
O emir do Qatar, Hamad bin Khalifa Al-Thani, fez questão de apoiar a Irmandade Muçulmana quase a qualquer momento como um meio de expandir a influência do Qatar. Poucos dias depois da derrubada de Mubarak, a Al Jazeera do Qatar mostrou grande clarividência quando lançou a Al Jazeera Mubasher Misr, um canal de notícias dedicado exclusivamente ao Egito. O Qatar e sua mídia colocaram peso na Irmandade Muçulmana egípcia, enquanto a Arábia Saudita e seus meios de comunicação não o fizeram.
Este também foi o motivo pelo qual a imprensa controlada pelos sauditas, como a Al Arabiya, continuou a elevar as críticas contra o presidente Morsi, mesmo depois das eleições no Egito. Para aliviar as tensões da Casa de Saud com o Egipto, Morsi fez sua primeira viagem internacional como presidente para a Arábia Saudita.
Além da cobertura de notícias favorável, acredita-se amplamente que o Qatar ajudou a financiar a Irmandade Muçulmana no Egito durante as eleições. Além disso, os investimentos do Qatar no Egito aumentaram 74%, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central do Egito em julho de 2012. A 11 de agosto, Emir Al-Thani, e uma delegação do Catar também viajaram para o Egito para uma visita de um dia com Morsi. No dia seguinte, a 12 de agosto, Morsi educadamente demitiu ou "aposentou" o marechal de campo Tantawi, o chefe das Forças Armadas egípcias, e Sami Anan, o chefe do gabinete das Forças Armadas egípcias e o número dois de Tantawi. Depois da visita de Al-Thani, começaram a circular rumores também no Egito de que a Irmandade Muçulmana estava planejando arrendar o Canal de Suez para Emir Al-Thani, o que foi negado por Morsi e sua equipe presidencial.
Um resultado da visita de Emir Al-Thani ao Egito foi a do anúncio de que o Qatar deu ao Cairo dois bilhões de dólares (EUA). Na realidade, o Qatar só deu ao Egito 500 milhões de dólares (EUA) e disse que o restante será dado em parcelas, que se iniciarão depois da cúpula do MNA em Teerã. O cronograma de pagamento diz alguma coisa?
O momento em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) visitou o Cairo para negociar um empréstimo, na véspera da cúpula do MNA em Teerã, também é suspeito. Depois de um ano de incerteza e de mendicidade, o Qatar e o FMI abriram seus bolsos para os egípcios (embora o Qatar tenha enviado algum dinheiro antes). O governo do Conselho Líbio de Transição chegou a oferecer um empréstimo financeiro, mesmo quando seus próprios cofres estão em desordem, como resultado da guerra da OTAN contra a Líbia e do assalto à tesouraria líbia e de seus ativos pelos atlantistas com a ajuda do economista neoliberal estadunidense tornado o "ministro do petróleo e das finanças" da Líbia, Ali Tarhouni. Quanto à Casa de Saud, entende-se que seus termos para uma ajuda financeira ao Egito incluem a continuidade das políticas anti-iranianas no Cairo.

Todos estarão observando Morsi em Teerã

As leituras sobre Morsi e a Irmandade Muçulmana, que governam sob o domínio do Partido da Liberdade e Justiça, variam. Por um lado, o governo egípcio manteve o fechamento das fronteiras para os palestinos na Faixa de Gaza. Ele também se comprometeu a honrar seus tratados internacionais, uma referência astuta a seu tratado de paz com Israel, que procura evitar mencionar Israel e prevenir um escândalo na imprensa. Por outro lado, Morsi fez gestos positivos a Teerã na cúpula emergencial da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) em Meca, sobre a formação de um grupo de contato Ankara-Cairo-Riyadh-Teerã para discutir a crise na Síria e disse que quer introduzir emendas no tratado de paz egípcio com Israel.
Como a maioria dos políticos, Morsi tem aguado suas promessas eleitorais. Ele teve que andar numa linha tênue cercado por inimigos e competidores, enquanto trabalha lentamente para o acúmulo de poder. Quando ele foi eleito, houve um atraso no anúncio dos resultados da eleição egípcia. O marechal de campo Tantawi e a junta militar egípcia tiveram tempo para se decidirem se queriam manter Morsi como presidente ou impor uma nova rodada de lei marcial, enquanto estabelecessem à força o general próximo Ahmed Shafik como presidente civil do país.
Morsi está em desacordo com os comandantes militares do Egito, que são aliados de longa data de Israel e dos EUA, bem como aliados da Casa de Saud. Além de retirar os dois membros mais importantes da junta militar egípcia, Morsi também reverteu decisões militares egípcias para subordinar a presidência e emendar a Constituição do Egito pós-Mubarak. Este jogo de poder tem sido amplamente descrito como um contragolpe preventivo contra a junta militar egípcia. Doha pode ter apoiado a iniciativa para se certificar de que o seu cavalo de corrida, a Irmandade Muçulmana, se mantenha no poder, em oposição aos cavalos sauditas dos militares egípcios e do Partido Nour. Se o contragolpe foi um movimento feito no contexto das rivalidades Arábia Saudita-Qatar ou estritamente um esforço de Morsi e da Irmandade Muçulmana para conseguir uma liberdade política é a questão saudi-catariana de dez milhões de dólares.

Mudança política para o Oriente no Cairo?

Onde a política externa de Morsi irá depois da conferência do MNA em Teerã é outra questão importante. A partir de reuniões do MNA, será definido para onde ele vai. O medo da aproximação entre o Irã e o Egito certamente mantém um grande número de pessoas despertas à noite em Riad, Tel Aviv, Londres e Washington DC. Todo mundo está esperando para ver o que o Cairo e Teerã vão fazer e, para muitos, as expectativas de aproximação são elevadas, mas as alavancas e restrições que existem sobre Morsi não devem ser esquecidas.
Embora haja muito menos alarde e atenção à viagem de Morsi à China, o que ele fará lá também será muito importante. Já há quem diga que ele planeja deslocar lentamente a política externa do Cairo, longe do campo atlantista, com Washington como sua capital, em direção ao campo Euro-asiático que inclui China e Irã. Certamente, a ajuda externa chinesa vai reduzir a dependência do Egito sobre os atlantistas árabes e os petro-monarcas parceiros. Estamos lidando aqui com uma intrincada teia de múltiplas relações entre os diferentes grupos que interagem uns com os outros de maneiras diferentes e por relações dinâmicas.

Adendo - 25 de agosto de 2012

O não-eleito presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, ameaçou boicotar a cúpula do MNA depois que a mídia iraniana e o Hamas anunciaram que o primeiro-ministro Haniyeh, representante democraticamente eleito dos palestinos, estava indo participar da cúpula do MNA. Depois, o Ministério do Exterior iraniano divulgou um comunicado esclarecendo que Haniyeh nunca foi convidado para Teerã.

Thursday, August 23, 2012

Egito ignora os Estados Unidos



por M. K. Bhadrakumar*, traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.


A decepção deve estar dominando em Washington. O Egito afasta-se da aliança com os EE.UU. e a amarga verdade já não se pode ocultar ou dissimular.

Washington não esperava que o “lado correto da história” se desenvolvesse desta maneira. A Primavera Árabe gerou um fruto estranho no Egito, uma pura raça, não como os híbridos da Tunísia, Líbia ou Iêmen.

Deve-se considerar o seguinte: o presidente Barack Obama foi um dos primeiros chefes de Estado que felicitou Mohammed Morsi por sua vitória eleitoral em maio. Obama rompeu o protocolo e chamou-o para cumprimentá-lo mostrando a ansiedade de Washington de desenvolver uma esplêndida relação com ele.

Em seguida, Obama escreveu uma carta a Morsi e enviou ao secretário adjunto de Estado, Williams Burns, ao Cairo para entregá-la pessoalmente. Depois de Burns, a secretária de Estado Hillary Clinton foi ao Cairo de novo para uma audiência com Morsi. Então, ocorreu a visita ao Cairo do secretário da Defesa Leon Panetta. Tudo isto no primeiro mês da presidência de Morsi.

Panetta voltou a Washington muito satisfeito porque os dirigentes militares egípcios, que têm sido os protagonistas na estratégia regional dos EE.UU. e os defensores dos interesses estadunidenses no Egito, não só se relacionavam bem com Morsi como inclusive tinham uma agenda comum.

O resto já é parte da história. Dias ou semanas depois do otimismo de Panetta, Morsi mandou sem mais os militares, dos corredores do poder político, de volta a seus quartéis. Washington não teve outra alternativa a não ser pôr boa cara ante esta situação e quase difundiu o embuste de que Morsi consultou ao governo de Obama antes de tomar medidas em relação aos militares egípcios.

No entanto, a verdade saiu à luz no final de semana. Os EE.UU. podem estar enfrentando um imenso revés em seus esforços para influenciar a presidência de Morsi. A carta que Burns levou há um mês continha aparentemente um convite de Obama para que Morsi visitasse Washington.

Em lugar de fazê-lo, Morsi viajará a China e ao Irã.

Anunciou-se no domingo no site oficial do presidente egípcio. Ao que parece, Morsi combinará as visitas a China e ao Irã. Parece que realizará uma visita de três dias à Chine na próxima segunda-feira por convite do presidente Hu Jintao e de Pequim tem a intenção de viajar a Teerã na quinta-feira para assistir à Cúpula do Movimento dos Não Alinhados.

Pequim ainda não anunciou a visita de Morsi. O jornal de propriedade governamental China Daily publicou um comentário na segunda-feira intitulado “A visita de Morsi ao Irã poderia remodelar a paisagem política”, que intencionadamente evitou toda sugestão de que o itinerário do presidente também incluiria Pequim.

No entanto, o emblemático jornal egípcio Al-Ahram informou que Morsi e Hu “têm a intenção de discutir temas cruciais enfrentados pelo mundo árabe, como a situação síria e o problema palestino. Os dois presidentes também discutirão maneiras de realçar o intercâmbio comercial entre seus respectivos países além do aumento do investimento chinês em Egito”.

Al-Ahram resumiu: “As duas visitas podem marcar mudanças na política exterior do Egito, considerando que ambos países [China e Irão] têm tensas relações com os EE.UU., do qual Egito tem sido um aliado leal, especialmente durante o regime do presidente derrubado Hosni Mubarak”.

Cão fraldiqueiro de ninguém

Decerto, o Oriente Médio dá-se conta do fato de que os estadunidenses não são bem vistos no Cairo. Sem dúvida, esta decisão leva a marca da Irmandade Muçulmana. O que se propõe?

Primeiro, os Irmãos Muçulmanos sabem que isto será muito bem recebido pelo clima público do Egito, que demanda veementemente uma nova orientação da política exterior que se desfaça do peso morto da cooperação com os EE.UU. e Israel da era Mubarak e volte à política exterior independente do país.

Segundo, Morsi não quer depender demasiadamente da “assistência” do Fundo Monetário Internacional e/ou dos abastados Estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que se vê pressionado a aceitar apesar de vir associada a condições políticas.

O Fundo Monetário Internacional dita termos duros para um empréstimo de 3,2 bilhões de dólares para o Egito. O Banco Islâmico de Desenvolvimento, com sede em Jeddah, aceitou outorgar financiamento ao Egito por 2,5 bilhões de dólares. O Catar depositará dois bilhões no Banco Central do Egito a fim de aliviar a escassez de divisas estrangeiras no Egito. No ano passado, a Arábia Saudita anunciou a ajuda ao Egito por quatro bilhões de dólares em “empréstimos com juros reduzidos, depósitos e subvenções”. Tratava-se de uma intensa luta dirigida pelos EE.UU. para sobornar a alma de Egito.

É possível que Morsi veja a China como uma potencial investidora na economia egípcia porque Pequim não fixa condições à cooperação econômica e atua geralmente segundo as regras do mercado, ajustadas às políticas neoliberais que em geral serão adotadas por Morsi. O importante é que os Irmãos sabem perfeitamente que os países do CCG –Bahrain, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita – mas especialmente a Arábia Saudita, veem-nos com desagrado e inquietude, como um perigo existencial para seus regimes autoritários. A Arábia Saudita, em particular, teve uma relação problemática com a Irmandade.

O defunto príncipe herdeiro Nayef utilizou métodos brutais para reprimir as atividades da Irmandade na Arábia Saudita. O jornal do establishment saudita Asharq Al-Awasat demonstrou sua antipatia a Morsi no sábado, quando num artigo assinado, o veterano editor do jornal, Osman Mirghani, escreveu:

O golpe que Morsi deu [nos militares], que lhe permitiu tomar o poder, foi completamente imprevisto, não só para os dirigentes do CSFA [Conselho Supremo das Forças Armadas] como também para o povo egípcio em seu conjunto… Essas decisões foram semelhantes a um golpe de Estado… A Irmandade tratou de dominar a arena política desde que sequestrou a revolução e aproveitou a onda revolucionária para chegar ao governo, apesar do fato de que se uniu bem tarde a essa revolução… A Irmandade debilitou a todos os demais partidos e por isso se negou deliberadamente a cooperar ou se coordenar com eles no período de transição prévio às eleições.

O Egito está governado agora por declarações e decisões “constitucionais” emitidas por um presidente que tem muito mais poder do que teve algum dia Mubarak… Se alguém disser de Morsi… que se libertou, e à presidência, da custodia e da intervenção do exército, terá que formular a pergunta: será seguido pela libertação de Morsi da Irmandade, que parece estar presente a todas suas decisões e medidas?

Deve-se atentar que esta forte crítica apareceu um mês depois da visita de Morsi a Riad por convite do rei Abdullah e dois dias antes da cúpula extraordinária da Organização da Conferência Islâmica (OCI) em Jeddah, na qual participou Morsi.

Disse-se que enquanto se dirigia à cúpula da OCI Morsi chamou à “mudança de regime” na Síria, implicando que o Egito é um dócil seguidor da linha fixada pela Arábia Saudita, Catar e Turquia. Mas, na realidade, Morsi desconsiderou a troika ao propor uma solução à crise síria mediante a formação de um Grupo de Contato formado por Arábia Saudita, Turquia, Irã e Egito, que poderia mediar um diálogo e a reconciliação síria conducente a uma transição política pacífica numa atmosfera livre de violência.

Aperto de mãos através da Arábia

Certamente, a inclusão do Irã por parte de Morsi no Grupo de Contato proposto representou ignorar a Arábia Saudita, que promoveu a cúpula da OCI. Depois houve a linguagem corporal, que é importantíssima em conferências entre árabes. À margem da cúpula da OCI, Morsi trocou apertos de mão e beijos com o presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad e falou-lhe de maneira muito calorosa.

Teerã cumprimentou rapidamente a proposta de Morsi, o que por sua vez levou ao apreço pela Irmandade no Cairo que viu na calorosa reação de Teerã uma confirmação inconfundível de que o Egito começa a recuperar parte da influência diplomática e estratégica que teve outrora na região. Uma espécie de sociedade de admiração mútua formou-se entre Cairo e Teerã em meio aos áridos desertos da Península Arábica.

Três coisas emergiram da participação de Morsi na cúpula da OCI. Primeiro, Morsi mostrou que o Egito propõe levar a cabo uma política exterior independente dos planos ocidentais ou dos países petroleiros do Golfo. Isto é, o Egito já não seguirá docilmente seus passos nem aceitará uma posição inferior.

Segundo, o Egito não vê a Turquia como um modelo, apesar da sonora propaganda ocidental desde o aparecimento da Primavera Árabe de que o islamismo do tipo ao que se adere o atual governo dirigido por Recep Tayyip Erdogan é uma receita válida para um Oriente Médio doente. Erdogan voltou de uma visita ao Cairo no ano passado imaginando que era uma estrela do rock para os egípcios, mas ao que parece não é o que pensa Morsi.

Terceiro, a decisão de Morsi de incluir o Irã como sócio na busca da paz na Síria significou uma rejeição do enfoque ocidental e saudita-turco. À margem da cúpula da OCI, o Ministro de Relações Exteriores egípcio Mohammed Amr também se reuniu com seu homólogo iraquiano Al Akbar Salehi para urgir que o Teerã ajude a solucionar a crise síria.

Na verdade, ainda é cedo, mas a decisão de Morsi de visitar o Irã (país com o qual o Egito não tem relações diplomáticas) só pode ser vista como um ato estratégico com profundos envolvimentos para a segurança regional e a política global. Requer uma verdadeira explicação.

Por uma parte, o Irã é o primeiro país muçulmano depois da Arábia Saudita que visita Morsi no Oriente Médio. A rua árabe tomará nota de que os Irmãos Muçulmanos no Egito recusam a noção (propagada pela Arábia Saudita e pelo Ocidente) de uma “meia lua xiita” dirigida pelo Irã que propõe uma ameaça às comunidades sunitas no Oriente Médio muçulmano.

Evidentemente, o Egito propõe normalizar suas relações com o Irã, enquanto o Egito de Mubarak estava inundado de temores maniqueístas de conspirações iranianas para desestabilizá-lo. As coisas mudaram. O líder adjunto da Irmandade, Mahmud Ezzat, disse recentemente a Associated Press: “O antigo regime costumava converter a qualquer de seus rivais [de Mubarak] num fantasma. Nós [a Irmandade] não queremos fazer como Mubarak e exagerar no temor contra o Irã”.

Do ponto de vista de Teerã, isto representa um grande progresso diplomático e geopolítico num tempo difícil quando as conversas P5+1 do Irã estão num ponto morto. Dito simplesmente, as equações no Oriente Médio de repente caíram na incerteza. Pretendia-se que tudo fosse um pequeno logaritmo do “campo de Teerã (Irã, Síria, Hezbollah e Hamas)” contra o “campo estadunidense (Arábia Saudita, Israel, Turquia e Catar)”. Mas Morsi está cruzando despreocupadamente essa barreira geopolítica.

Poderia ocorrer uma grande reordenação da política regional? No mínimo, o caleidoscópio está mudando e de repente parece que as situações da Síria, Líbano ou Gaza poderiam estar carregadas de novas possibilidades. (Na verdade, Morsi deixou claro na cúpula da OCI que qualquer enfoque da crise síria não deve tirar a atenção do problema palestino, que é o tema crucial para o mundo muçulmano).

A grande pergunta é que impulsiona à Irmandade do Egito. A crença geral é que os Irmãos Muçulmanos são gente muito cautelosa e que demorarão o tempo necessário para reajustar o cálculo de poder no Cairo, para não falar da bússola da política exterior do Egito. Mas no último período de oito dias, começou a emergir uma nova imagem dos Irmãos Muçulmanos. Qual é a explicação?

Nenhuma volta à era Mubarak

Em retrospectiva, as medidas de Morsi em relação aos militares há uma semana foi um golpe preventivo. Os Irmãos Muçulmanos consideraram que sua melhor possibilidade seria aproveitar a onda de altas expectativas na opinião pública a favor de mudanças fundamentais nas políticas nacionais e que qualquer demora e desídia em fazê-lo levaria a que os militares conseguissem superioridade e a neutralizar politicamente a liderança de Morsi.

Igualmente, os Irmãos Muçulmanos desconfiam do papel dos EE.UU. e de suas verdadeiras intenções em relação à liderança de Morsi. Há que recordar que a Irmandade (e o Hamas) acusaram explicitamente o Mossad de Israel de ser responsável pelo ataque terrorista no Sinai no dia 5 de agosto.

Não está claro o que conduziu os Irmãos Muçulmanos a chegar a essa conclusão, mas o Sinai tem sido um lugar sem lei durante décadas e é inconcebível que os serviços de inteligência israelenses não tenham prestado atenção aos grupos islâmicos militantes lá presentes. Na realidade, o que verdadeiramente sucedeu a 5 de agosto segue sendo uma incógnita e é duvidoso achar que os beduínos possam organizar uma operação tão profissional.

Ademais, há outro fator irritante. O ataque terrorista no Sinai ocorreu depois das reuniões de Morsi com os dirigentes do Hamas no Cairo e sua decisão de aliviar parcialmente as restrições no cruzamento em Rafah, o que por suposto converteu num deboche o “bloqueio” de Gaza por Israel.

Seja como for, o ataque no Sinai teve lugar inclusive enquanto os EE.UU. aumentavam a pressão sobre Morsi para que ressuscitasse de modo ótimo as relações de segurança e militares da era Mubarak entre Cairo, Washington e Tel Aviv. Tanto Clinton como Panetta fizeram o possível para persuadir Morsi de recuperar o espírito da cooperação tripartite dos EE.UU.-Egito-Israel em relação ao Sinai.

No entanto, os Irmãos Muçulmanos se dariam conta de que semelhante regresso às políticas em relação a Israel da era Mubarak seria profundamente recusado pelo público egípcio –islâmicos e seculares da mesma forma – e ademais desacreditaria à Irmandade e erosionaria a credibilidade da presidência de Morsi, em suma, um suicídio político. Os Irmãos Muçulmanos também saberiam que qualquer configuração das estratégias regionais com o foco colocado no terrorismo eliminaria toda possibilidade de mudança política em relação a Gaza.

Resumindo, a decisão de Morsi de abrir uma linha para Pequim e Teerã deve ser considerada num contexto de grande profundidade. Os Irmãos Muçulmanos esperam com apreensão um plano estadunidense-israelense para desestabilizar o governo de Morsi se não se ajustar aos ditames de Washington. Por isso, procuram possibilidades de reduzir o atual nível de dependência exagerada dos EE.UU. e seus aliados do Golfo diversificando as relações externas do país e agregando cooperações contrapostas que ajudem a realçar a autonomia estratégica do país.

A próxima semana promete ser um momento definidor na política no Oriente Médio e os alinhamentos entre os árabes quando Morsi viajar a Pequim e a Teerã. Com o afastamento do Egito, as estratégias regionais dos EE.UU. estão muito equivocadas. A pergunta imediata será: o que ganharão, depois de tudo, ao conquistar Damasco com tanta violência brutal e bestialidade insensata se já se perderam o Cairo e Bagdá?

*O embaixador M. K. Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Exerceu suas funções na extinta União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão, Kuwait e Turquia.

Thursday, July 26, 2012

VIVA O 26 DE JULHO!!




No dia 26 de julho de 1956, começava um dos acontecimentos que mudaria o curso da história no hemisfério ocidental. Acontecimento que, como mais tarde seria expresso, faria com que "agora sim, a história tivesse de contar com os pobres da América". Fidel Castro Ruz liderava o ataque aos quartéis Moncada e Carlos Manuel de Céspedes, considerado o início da segunda independência cubana, a revolução socialista.

A equipe do Batalha de Ideias reafirma a solidariedade ao povo cubano e a sua revolução, sustentada e desenvolvida por mais de meio século em meio à mais cruenta luta contra o imperialismo mundial e seu cérebro, os Estados Unidos.

Consideramos, ademais, que neste momento de crise terminal do capitalismo, a Batalha das Ideias, que se intensifica a cada dia, deve necessariamente passar, por parte de qualquer militante progressista do mundo, pela defesa incondicional da revolução cubana e do socialismo.

Viva o 26 de Julho!
Vivam Fidel e Raúl Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos!
Vivam as lutas dos povos da América Latina pela segunda independência, a revolução socialista!

A Equipe do "Batalha de Ideias".

Tuesday, July 24, 2012

[GEOPOLÍTICA] Baluquistão: Encruzilhada de mais uma guerra estadunidense?



por Eric Draitser, traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.

Há uma agitação atual no Baluquistão sobre desaparecimentos forçados, sequestros, assassinatos seletivos assassinatos e terrorismo. No entanto, estas são apenas táticas de uma guerra muito mais ampla, mais complexa em termos geopolíticos em que os Estados Unidos e seus aliados ocidentais estão engajados. Aparentemente insignificante diante do cenário de todas as crises regionais e internacionais que afetam o nosso mundo, o Baluquistão é, de fato, um nexo: o ponto em que interesses estratégicos diametralmente opostos convergem.

Os Estados Unidos vê o Baluquistão, uma área que abrange o oeste do Paquistão, o leste do Irã e uma parte do sul do Afeganistão, como crucial para a manutenção de sua hegemonia no Oriente Médio e na Ásia Central e do Sul. Por outro lado, a China considera a região como necessária para sua própria evolução econômica e política numa superpotência mundial. Visto dessa forma, o Baluquistão torna-se fundamental para o desenvolvimento do poder geopolítico no século XXI.

Localização estratégica do Baluquistão

O Baluquistão está localizado em um dos lugares mais geográfica e politicamente significativos do mundo. Não só a região está situada entre três países que se tornaram centrais para a projeção política e militar do poder ocidental, mas é central também para o desenvolvimento e exportação de energia da Ásia Central, o acesso ao Oceano Índico e uma série de outros imperativos geopolíticos tanto para o Ocidente quanto para os países da SCO e os BRICS. Devido a isso, a região tem crescido exponencialmente em importância para todos os grandes poderes do mundo.
Ainda que a terra, na superfície, pareça ser inóspita, detém uma grande riqueza logo abaixo do solo. Além do que se acredita ser uma grande quantidade de gás natural e / ou petróleo, a terra sob os pés dos baluquis contém vastas quantidades de minerais para o desenvolvimento econômico. Devido a isso, o conflito que ocorre na região assume a dimensão de uma guerra de recursos, além de uma geográfica e política.
A localização do Baluquistão tem outro elemento crucial que o torna geopoliticamente necessário: ele está no cruzamento das mais importantes rotas comerciais entre o Ocidente e o Oriente. Embora, na mente do público, uma rota de comércio pareça ser coisa do passado (alguém poderia imaginar a Rota da Seda sendo percorrida por camelo), de fato, elas são essenciais para o desenvolvimento. O comércio terrestre, algo que o chinês compreende ser um pilar de sua evolução econômica e política em uma superpotência, é impossível sem um Baluquistão estável e confiável, e isso é precisamente o que os Estados Unidos e o Ocidente buscam evitar.
Esse foco nos acessos terrestres ao comércio deve sempre ser visto no contexto da energia. A insaciável sede da China por petróleo e gás natural torna o desenvolvimento de oleodutos e gasodutos na Ásia Central, Irã e em outros lugares inestimável para eles. O gasoduto Irã-Paquistão, o gasoduto Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia (TAPI) e outros projetos servem para aumentar a importância do Baluquistão, aos olhos dos chineses. Além disso, o Porto Gwadar no Paquistão, financiado pela China, é o ponto de acesso para o transporte comercial chinês para o Oceano Índico e para a África. Com tudo isso como pano de fundo, pode-se começar a ver porque o Baluquistão é tão significativo para os chineses e, inversamente, porque os Estados Unidos e seus fantoches ocidentais procuram desestabilizá-lo.

Subversão ocidental e desestabilização

As potências imperialistas ocidentais têm o evidente interesse em conter o surgimento de um Baluquistão estável. Não só porque a região é essencial para a China, trata-se também de uma parte significativa da guerra secreta travada contra o Irã e o Paquistão. Os grupos terroristas com links diretos e indiretos com as agências de inteligência ocidentais operam impunemente no Baluquistão, uma vasta área que é quase impossível de ser monitorada. O governo paquistanês não é alheio ao fato de que agências de inteligência estrangeiras estão por trás de grande parte da violência no Baluquistão, um fato que foi afirmado publicamente até pelo ex-presidente Musharraf. Com efeito, embora Islamabad saiba que publicamente não é possível afirmá-lo, está ciente de que sua sobrevivência está em reprimir os distúrbios no Baluquistão, o que, por sua vez, significa que deve realmente combater o separatismo controlado de fora.
Num artigo publicado pelo jornal catariano de língua inglesa The Peninsula, o autor citou fontes críveis alegando que "a CIA está recorrendo ao recrutamento intenso da população local como agentes (cada um deles recebendo US$500 por mês)." Além disso, sabemos que a CIA, sob a liderança do general Petraeus, tem-se utilizado de refugiados afegãos para desestabilizar o Baluquistão. O significado destas revelações não deve ser subestimado. O fato de que a CIA esteja recrutando agentes e informantes por todo o Baluquistão indica que a estratégia dos EEUU de subversão é multifacetada. Por um lado, uma rede de agentes permite a manipulação de dados e informações, enquanto, por outro, os Estados Unidos se engajam no terrorismo através de uma variedade de grupos terroristas que controla ou manipula direta ou indiretamente. Conforme relatado na revista Foreign Policy, a CIA e o Mossad competem para controlar Jundallah, um fato importante, pois revela que os imperialistas ocidentais usam a base de Jundallah no Baluquistão para travar uma guerra coberta contra o Irã, incluindo o assassinato de cientistas, atentados terroristas com bomba destinados a causar sérios danos à infraestrutura e assassinatos seletivos de minorias étnicas.
Além da Jundallah, a CIA e os seus homólogos (MI6, Mossad, e a RAW da Índia) estão envolvidos ativamente no treinamento e na manipulação de vários grupos terroristas que operam no Baluquistão. O Exército de Libertação Baluqui, liderado por Brahamdagh Bugti entre outros, tem laços de longa data com o MI6 britânico desde os primeiros dias da independência do Paquistão. Este grupo é responsável por inúmeras ações terroristas na região, todas elas dirigidas contra civis inocentes. Este, e outros grupos semelhantes, ilustra a maneira como os Estados Unidos e seus aliados usam a arma do terrorismo para criar o caos com o objetivo de desestabilizar o Baluquistão, impedindo também o desenvolvimento econômico para o povo baluqui e, consequentemente, para a China.

Sabotagem política

As táticas de subversão não se limitam ao terrorismo e espionagem no Baluquistão. Uma das dimensões mais críticas deste problema é o uso da desestabilização política através do Congresso dos EEUU. Legisladores como o representante Dana Rohrbacher (R-CA), quem pessoalmente conduziu a acusação anti-Paquistão, defendeu ativamente o "direito de autodeterminação do povo do Baluquistão". É evidente que ele, e outros diretamente interessados no assunto, apoiam o separatismo e o a destruição do Paquistão moderno. Ao defendê-lo, Rohrbacher e outros membros do Congresso agem, como sempre fizeram, como apologistas e facilitadores da estratégia imperial dos EEUU em dividir as nações, a fim de controlá-las. Rohrbacher, ele mesmo com uma longa ligação com combatentes da Al-Qaeda (ex-mujahideen), é um defensor feroz de uma forte agenda anti-Paquistão, tratando o país como uma ameaça aos Estados Unidos. Naturalmente, a única ameaça que o Paquistão realmente representa é que, no curso do desenvolvimento da China, decidiu estar do lado de desenvolvimento econômico, em vez de deixar-se perpetuamente subjugado à vontade dos Estados Unidos.
A resolução apresentada por Rohrbacher, que é presidente da Subcomissão da Câmara de Relações Exteriores para Supervisão e Investigações, solicitou aos EEUU que apoiem o separatismo baluqui e ponham fim às relações com o governo eleito democraticamente de Islamabad. Ele tem repetidamente lançado ameaças e outras provocações, as quais foram corretamente interpretadas pelo governo paquistanês como intromissão em seus assuntos internos. O objetivo dessas resoluções e provocações tem sido projetar, tanto politicamente quanto para a opinião pública, o Paquistão como Estado terrorista, o que, em virtude da lógica distorcida apresentada à população estadunidense, significa que os EEUU devem ser capazes de fazer o que quiser para eles.
Os objetivos dos imperialistas ocidentais vis-à-vis o Baluquistão têm sido, e continuam sendo, muito simples: desestabilizar a região, a fim de bloquear a China de usá-la para fazer valer seu domínio regional e continuar a promoção de seu desenvolvimento econômico. Usando as mesmas repetidas táticas de terrorismo e subversão política, eles esperam atingir esses objetivos. No entanto, diferentemente do caso da classe dominante imperialista britânica de um século atrás, os Estados Unidos precisam lidar com um Paquistão, que mantém uma forte corrente de nacionalismo, o qual rejeita a hegemonia dos Estados Unidos na região, e que tem amigos internacionalmente. Infelizmente para o povo baluqui, a classe dominante dos EEUU não aprenderam nada da história e continua a usá-lo como peões contra seu inimigo percebido em Pequim. Sem um governo forte, nacionalista em Islamabad, disposto a fazer mais do que apenas protestos formais contra as ações dos EEUU, não haverá paz no Baluquistão. Em vez disso, a situação só vai se deteriorar enquanto as oligarquias estadunidenses continuam sua busca por uma posição dominante no século 21, independentemente se o custo exigido for humano ou financeiro.