Tuesday, May 22, 2012

BASES MILITARES ESTRANGEIRAS NA AMÉRICA LATINA E CARIBE: RECONTAGEM PROVISÓRIA ATÉ 10 DE ABRIL DE 2012

O Batalha de Ideias traduziu para o português um recente levantamento feito pelo Centro de Estudos e Documentação sobre a Militarização (CEDOMI/MOPASSOL), com a contagem recente das bases miliares estrangeiras na América Latina. Confira a íntegra do texto:

Como introdução a este resumo informativo queremos deixar claro que este é o ponto a que chegamos na investigação iniciada há dois anos com o objetivo de dispor de dados fidedignos nos quais sustentar a Campanha contra as bases militares estrangeiras na região cujo lançamento data de janeiro de 2010.

Todos os dados consignados se apoiam em fontes concretas de diferente tipo. Em alguns casos recebemos informação de organizações e/ou pesquisadores de vários países. Anotamos também informações incompletas, mas na contagem final sobre o número de bases só contabilizamos aquelas sobre as quais há suficientes elementos para provar sua existência. Desde que começamos este rastreamento o número de enclaves militares estrangeiros abertos ou encobertos, multiplicou-se e continua crescendo.

Quando falamos de bases militares estrangeiras nos referimos às bases de vários países da OTAN e não somente às dos Estados Unidos.

Outro esclarecimento é necessário: nem todas as bases têm um tamanho similar, algumas são muito pequenas e outras de grande extensão; algumas são bases militares das forças armadas do país sede, as quais, por convênio ou de fato, são utilizadas pelas potências da OTAN. Mas todas fazem parte de uma mesma malha bélica capitaneada pelos Estados Unidos. Em certos casos não alojam de forma permanente nenhum só soldado estrangeiro.

A presença militar estrangeira apresenta-se de formas muito variadas. Por exemplo, a militarização da luta antidroga no México ou na Guatemala. Por outra parte, iniciamos um estudo a respeito das manobras militares conjuntas que se realizam com participação dos EEUU em território continental ou inclusive em alto mar em unidades da IV Frota (por exemplo, as manobras gringo-gaucho).

Falta muito por pesquisar. No entanto, o resumo que anotamos aqui oferece suficientes razões para se inquietar e atuar contra esta forma de guerra preventiva que supõe um enorme perigo para o continente latino-americano e caribenho que esperamos que continue avançando na unidade e integração regional para assegurar a paz e a cooperação e não a confrontação entre os países.

Argentina: (2) no arquipélago das Malvinas ocupado colonialmente pela Grã-Bretanha, a Fortaleza da OTAN em Mount Pleasant, Ilha Soledad, cuja pista maior tem uma longitude de 2.600 metros. A atual dinamização da militarização no Atlântico Sul posiciona a Fortaleza Malvinas como a força mais importante da OTAN nessa região.

Existe ademais um terreno autorizado para o uso dos Estados Unidos pelo ex-governador da Terra do Fogo, na localidade de Tolhuin. E, em fevereiro de 2012, fez-se pública em Resistencia, Prov. do Chaco, a instalação de um Centro Anticatástrofes e Ajuda Humanitária, financiado pelo Comando Sul do Pentágono a ser inaugurado no Aeroporto Internacional de Resistencia. O Centro dispõe de um radar e equipes de comunicação que habilitam esta construção como um centro de controle e espionagem a serviço dos projetos imperiais. Sua instalação responde a um programa impulsionado pela Junta Interamericana de Defesa (JID) que inclui em seus planos a coordenação e implementação de centros similares em outros países do continente e foi objetado pelo governo nacional argentino que questiona o papel da JID nestes temas.

Aruba: (1) base aérea Rainha Beatriz, dos EEUU.

Belize: (1) um espaço para treinamento de efetivos da Grã-Bretanha (OTAN)

Bolívia: Não há bases militares estrangeiras. A constituição política do Estado aprovada durante o governo de Evo Morales o proíbe expressamente.

Colômbia: (8) A 30 de outubro de 2010, o governo da Colômbia subscreveu com os Estados Unidos um convênio de cooperação militar no qual se assinalam as seguintes bases militares colombianas para que sejam usadas pelos EEUU: a base Aérea de Apiay, no Departamento de Meta; a base Aérea de Malambo, localizada na área metropolitana de Barranquilla; a base Aérea de Palanquero, situada em Puerto Salgar, no departamento (província) de Cundinamarca, que conta com uma pista de aterrissagem de 3500 metros; a base Aérea de Tolemaida, em Melgar, Tolima, é o maior forte militar da América Latina e tem uma importante força de rápida dispersão; a base Naval de Baía Málaga , no Pacifico colombiano, próxima à Buenaventura; e a base Naval de Cartagena, na costa do mar do Caribe.

A elas se somam as que já vinham sendo utilizadas por soldados dos Estados Unidos: a Base aérea de Tres Cantos localizada no Departamento de Caquetá e a base Aérea Larandia, no mesmo Departamento. E agrega-se o uso do porto de Turbo (muito próximo à fronteira com o Panamá) para abastecimento da IV Frota, bem como muitas outras instalações das forças armadas colombianas.

Costa Rica: (2) Existe uma base de EEUU em Liberia. Deve-se considerar ainda a “invasão” de navios e milhares de soldados estadunidenses autorizada pelo governo e pelo Parlamento nacional em 2010. É necessário pesquisar o que ficou como remanescente dessa ação.

Nos últimos tempos aparecem menções sobre outra base próxima à costa do Pacífico costarriquense. Concretamente, a Associação Nacional de Empregados Públicos e Privados denuncia que em Liberia, os EEUU reativarão e financiarão um radar. A nota está datada a 9 de outubro de 2009. A ANEP menciona ademais que numa entrevista ao jornal La Nación, o subcomandante do Comando Sul do Exército norte-americano Paul Trivelli informou sobre o investimento de 15 milhões de dólares numa base naval que estaria sendo construída na localidade de Caldera, província de Puntarenas, e que ali funcionará, ademais, uma escola para adestramento de oficiais de guarda-costas. Uma informação proveniente dos EEUU confirma que o Comando Sul, em agosto de 2009, contribuiu com 1,5 milhão de dólares para iniciar a construção de um cais e instalações como parte do cumprimento desse contrato.

Cuba: (1) Base usurpada pelos EEUU em Guantánamo

Curaçao: (1) Base dos EEUU Hato Rei

Chile: (1) Com autorização do governo de Sebastián Piñera instalou-se no Forte Aguayo, em Concón, próximo a Valparaíso, uma base militar dos EE UU. A localização “imita uma zona urbana, com 8 modelos de edifícios, foi construída com uma contribuição de quase 500 mil dólares proporcionados pelo Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos sob a denominação de que serve para “executar operações de manutenção da paz ou de estabilidade civil”, segundo indica a mesma Embaixada norte-americana. O acordo enfatiza a lógica de que as Forças Armadas devem intervir em conflitos sociais ou “estabilidade civil” o que renova a prática da Doutrina da Segurança Nacional.

Equador: com a retirada dos EEUU da Base de Manta, não existiriam bases militares estrangeiras no país.

No entanto, circula uma informação que não pudemos confirmar que o Comando Sul previu financiar com uma soma 600.000 dólares “instalações para quartéis contra o narcoterrorismo” que se construiriam em Lita, Carchi, na segunda metade do ano 2011.

El Salvador: (1) Uma base em Comalapa, muito próxima ao Aeroporto internacional de San Salvador.

Guadalupe: (2) Registramos pelo menos duas bases militares da França (OTAN) neste pequeno arquipélago das Antilhas, no mar do Caribe que forma um departamento de ultramar da França e uma região ultraperiférica da União Europeia. Em Guadalupe, a 600 km ao norte da costa da América do Sul e a sudeste da República Dominicana, encontra-se o 41º Batalhão francês da Infantaria da Marinha, além de aviões, helicópteros e efetivos da Força Aérea.

Guatemala: não há informação sobre bases militares estrangeiras, mas sabemos que se estendeu a este país a militarização do combate antidrogas (Iniciativa Mérida) que vem sendo aplicada no México, com uma presença constante de tropas estadunidenses.

Guiana Francesa: (3) Neste território (remanescente colonial francês na América do Sul) concentram-se tropas principalmente em Cayena, San Juan de Maroni e outros lugares. Mas a mais importante é a Base Aeroespacial francesa em Kourou, agora gerenciada pela Agência Espacial Europeia. Suas instalações são das mais avançadas do mundo na função que desempenha. Está preparada para o lançamento de satélites com objetivos diversos. O radar localizado em Troubiran e a Base Aeroespacial permitem a observação e o controle de todos os países da região. Com a chegada do satélite militar Galileu, a França conta na Guiana com 40.000 barbouzes (agentes não oficiais), aposentados em atividade sob o comando do Estado Maior das forças armadas e dos serviços de inteligência destacados na Guiana, em capacidade de intervir contra independentistas guianeses e também contra outros povos em luta contra o imperialismo no continente.

Haiti: (1) Além da presença, desde 2004, da MINUSTAH, registra-se uma presença de tropas dos EEUU cujo número não se pôde determinar, bem como o atracadouro de navios da IV Frota. Desde a invasão, mais de 20.000 efetivos estadunidenses em razão do terremoto de janeiro de 2010, organizações do Haiti vêm denunciando que remanescentes dessas tropas permaneceram e que todo seu território pode ser considerado uma grande base militar estrangeira.

Honduras: (3) Base Aérea estadunidense Soto Cano, em Palmerola, com uma pista de 2.600 metros; outra mais nova em Puerto Lempira, sobre a lagoa Caratasca, no Departamento Gracias a Dios, território de Mosquitia, próxima à costa do Mar do Caribe; e uma mais em construção, em Guanaja, Departamento Ilhas da Baía, no Caribe hondurenho. 

Martinica: (2) O caso da Martinica é similar ao de Guadalupe, com pelo menos duas bases francesas (OTAN). No lugar, o Exército francês conta com mais de 1.000 efetivos permanentes, incluindo o 33º Regimento de Infantaria com sede na capital Fort de France. Ali ademais se encontra estacionada a Marinha de Guerra com 500 efetivos e as equipes necessárias. O país é uma base de apoio da maior importância para a vigilância, a inteligência e as intervenções militares na região (junto com Guadalupe, Martinica serviu como escala durante a Guerra das Malvinas e a invasão de Granada; ademais, França e EE.UU. organizam regularmente manobras militares conjuntas).

México: (2) A militarização da luta antidrogas com a intervenção direta dos Estados Unidos deixou nos últimos anos neste país dezenas de milhares de mortos.

A Iniciativa Mérida, assinada a 30/06/08 entre os presidentes Bush e Calderón implica, segundo os acordos assinados , treinamento das forças militares mexicanas por parte dos Estados Unidos, a venda do armamento necessário e a estratégia militar para o controle do Estado por parte de forças mexicanas, e por meio das agências ianques FBI, CIA, DEA e demais que já estavam operando em território mexicano, o sobrevoo sobre todo o território de aviões espiões não tripulados e a ingerência de tropas estadunidenses na segurança interna do país. Como se sabe, nenhum destes acordos anula o anterior, todos são complementares e cada vez mais põem o acento na guerra “contra o narcotráfico e o terrorismo”.

Nesse marco, o império avança, conheceu-se (em maio de 2011) a criação de duas bases militares na fronteira com a Guatemala, ambas contariam com todas as “bondades” da tecnologia militar mais seiscentos efetivos em cada uma. Na conferência de imprensa o Comandante da VII região militar do México, o general Salvador Cienfuegos Zepeda, declarou que tropas do exército realizam operações militares em todo o território chiapaneco, sobretudo na Fronteira Comalapa e que estas duas novas bases militares estarão situadas em Chiquimosuelo e Jiquipilas, por recomendação da DEA. Isto somado aos catorze mil militares já existentes em Chiapas, segundo seus ditos.

A 10/05/11, inaugurou-se a construção da Academia Estatal de Formação e Desenvolvimento Policial, em Las Encinas, San Salvador de Chachapa ao oriente da capital do Estado de Puebla. Este lugar, destinado a uma reserva ecológica, será agora em diante uma reserva militar. Assim foi apresentado por Rafael Moreno Valle e Keith W. Mine, diretor geral da Inteligência Militar, quem deixou claro e com precisão que o FBI e outras agências estadunidenses terão participação direta nesta academia.

Ademais, uma força-tarefa de efetivos estadunidenses “ajudará “ nas zonas mais conflituosas, segundo revelam generais e coronéis em atividade do Exército Mexicano. Um dos militares, de alto cargo na Secretaria da Defesa Nacional, assegura que o México vive já uma “ocupação” levada a cabo pelos organismos de inteligência dos Estados Unidos.

Formalmente, nem a Academia de Las Encinas, nem as bases de Chiquimosuelo e Jiquipilas, aparecem como bases dos EEUU. No entanto, no marco descrito, não cabe dúvida de que é o Pentágono quem dirige as operações. Por isso estamos contabilizando no México pelo menos duas bases militares estrangeiras.

Panamá: (12) São doze bases aeronavais em ambas costas.

Sobre o Pacífico:

1) Ilha de Chapera

2) Baía ou Puerto Piña em Darién

3) Quebrada de Piedra, em Chiriquí

4) Rambala, na província Bocas del Toro

5) Punta Coco, no Arquipélago das Pérolas;

6) Ilha Galera;

7) Mensabé, em Los Santos; Coiba, em Veraguas.

Sobre o Caribe:

9) Sherman, em Colón

10) El Porvenir, em Kuna Yala

11) Puerto Obaldía, em Kuna Yala

12) San Vicente, em Metetí, Prov. de Darién, próxima à fronteira com a Colômbia

Mais denúncias do Panamá: além das 12 bases antes listadas recebemos denúncias, sobre outras bases militares projetadas (a respeito das quais precisamos mais informação) em:

La Palma (Pacífico), província de Darién;

Ilha Grande (Caribe), província de Colón;

Corregimiento de Yaviza, província de Darién; e

Estação Naval Rodman (Pacífico) na entrada do Canal do Panamá.

Paraguai: (2) Base em Mariscal Estigarribia, no Chaco paraguaio, com instalações para albergar a vários milhares de soldados e uma pista de 3.800 metros de longitude. Outra base em Pedro Juan Caballero (Base da DEA estadunidense) na fronteira com o Brasil. Em ambos casos comprovamos a existência destas bases durante a Missão Internacional ao Paraguai no ano de 2006.

Peru: (3) Em diferentes publicações menciona-se há vários anos a existência de três bases militares dos EEUU no Peru: Iquitos, Nanay e Santa Luzia. Sobre esta última localizada sobre o Rio Huallaga (Alto Huallaga) faltam precisões e informação recente. Sabe-se ademais que o governo peruano autorizou aos EEUU usarem instalações portuárias para o abastecimento da IV Frota perto do porto de Callao.

Por outra parte, em virtude dos acordos entre o Governo peruano e os Estados Unidos, a partir de 2006 ambos Estados incrementaram suas ações de cooperação militar no entendimento comum de que o “narcoterrorismo” constitui uma “ameaça assimétrica” que justificaria a assistência militar dos Estados Unidos “sem condicionamentos”. Com esse critério o Comando Sul contribui com o financiamento e visita regularmente diferentes bases militares peruanas, como por exemplo:

*
Base Naval de Santa Clotilde, próxima a Iquitos, Região de Loreto (margem esquerda do Rio Nanay). Sede do Comando Geral da Amazônia. Sede da Escola de Operações Ribeirinhas: Financiada em seu início pelo Comando Sul (US SOUTHCOM). Está a cargo desde 2003 da Marinha de Guerra do Peru. A embaixada dos EEUU em Lima, através de seu Grupo Consultivo e de Apoio Militar, apoia-a, realiza visitas e trocas permanentes com o Comando Sul.

*
Base Tenente Clavero, em Iquitos (Peru). Está na mesma zona de fronteira com a Colômbia. Compreende uma série de destacamentos ou estações fluviais integrados por elementos do Batalhão de Infantaria de Marinha Número 1, do Exército e da Polícia.

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Base Naval El Estrecho. Localizada no distrito de San Antonio, em Iquitos, às margens do rio Putumayo. Terminou de ser construída em julho de 2010 ampliando uma antiga guarnição.

A situação brevemente descrita levou a alguns pesquisadores peruanos a afirmarem que todo o território do Peru se converteu numa “plataforma militar multiuso a serviço dos EEUU”.

República Dominicana: (1) Há vários anos fala-se do transporte de tropas estadunidenses antes estacionadas em Porto Rico à República Dominicana. Nunca pudemos confirmar essa notícia.

Mas recentemente (fevereiro 2012) recebemos e confirmamos o seguinte: Organizações progressistas e de esquerda da República Dominicana conclamam o impedimento da construção de uma base naval patrocinada pelo Governo dos EE.UU. na ilha de Saona, no extremo sudeste do país. O projeto prevê a construção de um cais, alguns quartéis e outras instalações do complexo. A obra será executada pelo Comando Sul dos EE.UU. que investirá cerca de 1,5 milhão de dólares, segundo anunciou o chefe da Marinha de Guerra dominicana, o vice-almirante Nicolás Cabrera Arias. A construção da nova base naval faz parte da Iniciativa de Segurança da Bacia do Caribe, promovida por Washington.

EM SÍNTESE, sem contar o caso de Porto Rico que comentamos a parte, são pelo menos 47 bases militares estrangeiras em funcionamento ou em construção vinculadas por via aérea e marítima à IV Frota naval reativada desde 2008. Entre elas merecem especial atenção as cinco bases com grandes pistas de aterrissagem distribuídas estrategicamente ao longo do continente: Soto Cano (em Palmerola, Honduras), Palanquero (na Colômbia), Mariscal Estigarribia (no Paraguai), a Fortaleza Malvinas (na Argentina) e a Ilha Ascensión (no Atlântico Sul).

Notas:


* Quando falamos das bases da OTAN, não esquecemos que o Pentágono é o cabeça da OTAN.

* Ainda que estritamente, do ponto de vista geográfico, a base militar na Ilha Ascensión –no meio do Oceano Atlântico- não pertence ao continente americano, convém ter presente esta base militar porque tem desempenhado e segue desempenhando um papel importante na estratégia imperial, particularmente no Atlântico Sul e em relação à IV Frota.


Porto Rico

Para referir à presença militar estadunidense em Porto Rico deve-se levar em consideração que por sua condição colonial (oficialmente localizado na categoria de “Estado livre associado”) para o Pentágono o território porto-riquenho é considerado território dos EEUU. E, ao mesmo tempo, para o movimento independentista, que não aceita a condição colonial, as instalações e tropas estadunidenses estabelecidas na ilha são consideradas presença militar estrangeira.

Pela significação do tema e a necessidade de dispor de conhecimento atualizado a respeito, faremos aqui uma breve síntese do documentado trabalho que, a pedido nosso, nos fez chegar Alejandro Torres Rivera, dirigente do Movimento Independentista Nacional Hostosiano (MINH).

Com o fechamento da Estação Naval de Roosevelt Roads e da Área de Tiro e a Área de Manobras da Frota do Atlântico (AFWTF por suas siglas em inglês) em Vieques, Porto Rico, em maio de 2003, as operações que o Comando Sul vinha desempenhando da ilha foram modificadas e o Comando Sul instalado na Flórida. Essas mudanças alteraram a importância militar estratégica até então adjudicada a Porto Rico. Mas isso não significa que este país deixou de ser importante nos planos de dominação geopolítica dos Estados Unidos na região.

A partir de 1º de outubro de 2002 produziu-se um novo Plano de Comandos Unificados onde as áreas de responsabilidade entre o Comando Sul e um novo Comando do Norte foram estabelecidas. Na distribuição, Porto Rico ficou integrado no Comando do Norte, a quem atribuiu-lhe como responsabilidades –entre outras – o planejamento e condução de apoio militar para a estabilidade, segurança, transição, operações de reconstrução, ajuda humanitária e ajuda em situações de desastres; o planejamento e participação de missões que se desenvolvam a nível global; operações contra redes terroristas. Como se pode notar, sob este novo Plano a função militar de Porto Rico se afastou da zona de operações tradicional dos Estados Unidos para a América Latina.
A 17 de dezembro de 2008, o presidente que saiu dos Estados Unidos assinou um novo Plano Revisado de Comandos Unificados onde, além de Porto Rico, Ilhas Virgens, Bahamas e as ilhas Turcos y Caicos, todas elas localizadas na região do Caribe, passam a fazer parte do Comando do Norte.

De acordo com o documento intitulado Relatório de Estruturas de Bases de 2007 (Base Structure Report, 2007) o aparelho militar em Porto Rico teria indicado manter um controle de 1.512.631 acres (um acre equivale a 4 quilometros quadrados). Porém essa afirmação é falsa, já que nela não se toma em consideração a superfície que abarca Punta Del Este em Yunque, os terrenos utilizados pelo Aerostato em Lajas e o Radar de Arecibo. Figuram como reservas naturais que não se incluem nos relatórios militares. Isto sem incluir novas instalações do Department of Homeland Security em Aguadilla, Ponce e San Juan, instalações para espiar comunicações, as instalações da ‘Guarda Nacional’, bem como instalações ‘científicas’ em universidades que levam a cabo funções militares.

A Guarda Nacional em Porto Rico consta de cerca de 10 mil efetivos em terra e ar. Divide-se em Guarda Nacional e Guarda Nacional Aérea, sendo as primeiras unidades terrestres e de apoio aéreo através de helicópteros.

As facilidades principais da Guarda Nacional terrestre encontram-se na região sul da Ilha no Acampamento Santiago localizado no município de Salinas, onde também se encontra um Destacamento da Infantaria de Marinha. Conta também com ao redor de 20 instalações denominadas “Armarias” nos seguintes municípios: San Juan, Ponce, Juana Díaz (Forte Allen), Guayama, San Germán, Aguadilla, Mayagüez, Yauco, Caguas, Humacao, Ceiba, Fajardo, Bayamón, Toa Baja, Vega Baja, Arroyo, Cayey, Gurabo, Coamo, Hato Rey, Hangar 21 e Peñuelas. Em San Juan, ademais, conta com as instalações de helicópteros localizadas nas proximidades do Aeroporto Rivas Dominicci em Isla Grande.

A Guarda Nacional Aérea, por sua vez, tem suas facilidades principais na Base Aérea Muñiz localizada nas imediações do Aeroporto Internacional Luis Muñoz Marín no município de Carolina. Ali opera nestes momentos um esquadrão de aviões de transporte. Também conta com facilidades no Aeroporto de Roosevelt Roads aonde eventualmente se propõe transferir suas facilidades principais localizadas hoje na Base Aérea Muñiz. Conta também com instalações em Aguadilla no que fora antes, até a década de 1970, a Base do Comando Aéreo Estratégico dos Estados Unidos “Ramey Fields”, hoje chamado Aeroporto Internacional Rafael Hernández em Punta Borinquen. Ali opera o “Punta Borinquen Radar Site”. E ainda conta com a instalações de radares em Punta Salinas no município de Cataño, nas proximidades da Baía de San Juan.

A Reserva do Exército conta com aproximadamente 4.500 efetivos. Sua instalação principal é o Forte Buchanan localizado na Área Metropolitana de San Juan dentro dos municípios de Guaynabo e Bayamón. Ali também opera o Comando Regional da Reserva, um Batalhão de “Civil Affairs” dentro do qual uma de suas tarefas é a área de Operações Especiais; uma unidade da Reserva da Marinha e da Infantaria da Marinha. Existem ali unidades de comando, guarnição, inteligência, serviços médicos, logística e múltiplos contratadores civis.

A Reserva opera, também, em Porto Novo-San Patricio, a instalação “Capitão E. Loiro Jr.” onde têm base unidades médicas e unidades de treinamento; Aguadilla no Aeroporto Borinquen; Ceiba (Roosevelt Roads); Salinas; Forte Allen (LTC H. G. Pesquera) em Juana Díaz (AMSA-Oficinas Mecânica); Guaynabo (AMSA- Oficina Mecânica; MEPS- “Military Entrance Processing Station”) e outros centros nos municípios de Caguas, Guayama, Ponce e Yauco.

A Reserva conta, também, com unidades da Infantaria da Marinha (MCRC SJ) localizada na área metropolitana de San Juan em terrenos do Forte Buchanan e em Bayamón; e conta também com outra unidade localizada em Ceiba (Roosevelt Roads).

A Força Aérea dos Estados Unidos conta com facilidades no município de Lajas (“Lajas Radar Site”) e o “Ramey Solar Observatory Research Site” localizado no município de Isabela. De acordo com a Lcda. Centeno Rodríguez, do “San Juan Geomagnetic Observartory”, localizado no município de Cayey, a Força Aérea desenvolve um projeto relacionado com o controle do clima.

A Marinha de Guerra dos Estados Unidos conta com facilidades localizadas em Vieques como são o componente transmissor do Radar Relocalizável Para além do Horizonte (ROTHR) cujo corpo receptor localiza no Forte Allen localizado no município de Juana Díaz. Também conta com as instalações eletrônicas localizadas em Monte Pirata na porção ocidental da Ilha de Vieques.

Conta também com facilidades localizadas no Aeroporto Borinquen de Aguadilla; com os radares localizados em Punta del Este no Yunque; as instalações na “Naval Radio Facility” em Sabana Seca, Toa Baja; a “Naval Radio Transmiting Facility” no município de Isabela; o “Low Frecuency Fixed Submarine Broadcast System” no município de Aguada; as facilidades localizadas em “Cabeza de Perro” no município de Naguabo; as instalações do NAVACT em Roosevelt Roads no município de Ceiba; o “Salinas Receiver Site”; e as facilidades da Ilha Piñero localizada próxima ao que foi Roosevelt Roads.

As Forças Armadas dos Estados Unidos mantêm também operando em Porto Rico o programa do Corpo de Treinamento para Oficiais da Reserva (“Reserve Officers Training Corps”) orientado a oferecer um grau universitário em ciências militares. Também no Forte Buchanan na Área Metropolitana de San Juan se encontra a polícia militar ligada ao Departamento da Defesa conhecida como “Department of Defense Special Police- DODEP”.

Por sua vez, o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (“Homeland Security Department”) tem facilidades disseminadas em Porto Rico em maior medida concentradas nos municípios de San Juan, Ceiba (Roosevelt Roads), Aguadilla (Aeroporto Borinquen) e o Radar Aerostato em Lajas.

A Guarda Costanera opera em Porto Rico facilidades em San Juan (La Puntilla) em Aguadilla (Aeroporto Borinquen) e em Ceiba (Roosevelt Roads).

Recentemente nos meses passados ativou-se novamente em Porto Rico os Corpos de Paz (“Peace Corps”).

A todo o anterior deve-se somar a presença da Corte Federal em Porto Rico e das diferentes agências federais de segurança como são o FBI, a DEA, o Serviço Secreto, a CIA, etc.

Sem entrar no dado sobre os milhares de porto-riquenhos em Porto Rico e nos Estados Unidos que hoje em dia fazem parte das forças militares regulares dos Estados Unidos em seus diferentes ramos. A experiência atual em Porto Rico é que praticamente 80% ou mais dos efetivos da Guarda Nacional e da Reserva, passaram por uma rotação de ao menos um ano em missões de combate.
Esta experiência tem permitido às unidades da Guarda Nacional e da Reserva transformarem-se do que foram no passado como forças auxiliares das Forças Armadas dos Estados Unidos para assuntos essencialmente domésticos, a uma força militar experimentada, capaz de substituir em sua colônia, Porto Rico, e na região a presença militar estadunidense. Mais ainda, este desenvolvimento e transformação permite aos Estados Unidos, diante de uma eventual mudança ou modificação em suas relações políticas com o povo de Porto Rico, manter a presença de um exército regular permanente, com experiência e devidamente acoplado às forças armadas estadunidenses, superior em matéria de integração militar com os Estados Unidos à de qualquer outro país latino-americano.

traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias

o original está em 

http://www.mopassol.com.ar/archives/351#more-351

Wednesday, May 16, 2012

TRIBUNAL CONDENA GEORGE W. BUSH POR CRIMES DE GUERRA

 

por Yvonne Ridley

Nesta que é a primeira condenação deste tipo no mundo, o ex-presidente dos EUA e sete membros-chave de sua administração foram considerados na sexta-feira, dia 11, culpados de crimes de guerra.

Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld e os seus consultores jurídicos Alberto Gonzales, David Addington, William Haynes, Jay Bybee e John Yoo foram julgados in absentia, na Malásia.

O julgamento realizado em Kuala Lumpur ouviu testemunhos pungentes das vítimas de tortura que sofreram nas mãos dos soldados e mercenários estadunidenses no Iraque e no Afeganistão.

 

Eles incluíram o testemunho do britânico Moazzam Begg, ex-detento de Guantánamo, e da iraquiana Jameelah Abbas Hameedi, que foi torturada na notória prisão de Abu Ghraib.

No final da audiência de uma semana, uma comissão de cinco juízes entregou, por unanimidade, veredictos de culpabilidade contra Bush, Cheney, Rumsfeld e seus principais assessores jurídicos, que foram todos condenados como criminosos de guerra por tortura e tratamento cruel, desumano e degradante.

Transcrições completas das acusações, declarações de testemunhas e outros materiais relevantes serão agora enviados ao Procurador-Chefe do Tribunal Penal Internacional, bem como às Nações Unidas e ao Conselho de Segurança.

A Comissão de Crimes de Guerra de Kuala Lumpur War também está solicitando que os nomes de Bush, Cheney, Rumsfeld, Gonzales, Yoo, Bybee, Addington e Haynes sejam inseridos e incluídos no Registro da Comissão de Criminosos de Guerra para registro público.

O tribunal é a iniciativa do antigo primeiro-ministro da Malásia Mahathir Mohamad, que se opôs firmemente à invasão estadunidense ao Iraque em 2003.

Ele presenciou toda a audição que recolheu as declarações pessoais e depoimentos de três testemunhas, nomeadamente Abbas Abid, Moazzam Begg e Jameelah Hameedi. O tribunal também ouviu duas outras declarações legais do cidadão iraquiano Ali Shalal e Ahmed Rahul, outro cidadão britânico.

Depois da entrega do veredicto de culpabilidade concluído por cinco magistrados, Mahathir Mohamad disse: "Os países poderosos estão assassinando impunemente."

O especialista em crimes de guerra e advogado Francis Boyle, professor de direito internacional na Universidade de Illinois College of Law, nos Estados Unidos, era parte da equipe de acusação.

Depois do caso, ele disse: "Esta é a primeira condenação dessas pessoas no mundo."

Enquanto a audiência é considerada por alguns como sendo puramente simbólica, o ativista de direitos humanos Boyle disse que estava esperançoso de que Bush e Cia. poderiam em breve encontrar-se frente a julgamentos semelhantes em outras partes do mundo.

"Tentamos três vezes alcançar Bush no Canadá, mas fomos frustrados pelo governo canadense, então deixamos Bush com medo de ir para a Suíça. A tentativa na Espanha falhou por causa do governo daquele país e o mesmo aconteceu na Alemanha. "

Boyle então fez referência à Carta de Nuremberg, que foi usada como modelo para o tribunal, quando questionado sobre a credibilidade da iniciativa na Malásia. Ele citou: "Os líderes, organizadores, instigadores e cúmplices que participam na formulação e execução de um plano comum ou conspiração para cometer crimes de guerra são responsáveis por todos os atos praticados por qualquer pessoa na execução de tal plano."

Os Estados Unidos são sujeitos ao direito internacional consuetudinário e aos Princípios da Carta de Nuremberg disse Boyle, que também acredita que o julgamento de uma semana foi "quase certamente" monitorado de perto tanto pelo Pentágono, quanto por funcionários da Casa Branca.

O professor Gurdial Singh Nijar, que liderou a acusação disse: "O tribunal foi muito cuidadoso para respeitarem escrupulosamente os regulamentos elaborados pelos tribunais de Nuremberg e os tribunais penais internacionais".

Ele acrescentou que estava otimista de que o tribunal poderia ser seguido em outras partes do mundo onde "os países têm o dever de julgar os criminosos de guerra" e citou o caso do ex-ditador chileno Augusto Pinochet que foi preso na Grã-Bretanha para ser extraditado para a Espanha sob acusações de crimes de guerra.

"Pinochet estava há apenas oito anos fora da ‘presidência’ (sic) quando isso aconteceu."

O caso Pinochet foi a primeira vez que vários juízes europeus aplicaram o princípio da jurisdição universal, declarando-se competentes para julgar crimes cometidos por ex-chefes de Estado, apesar das leis de anistia locais.

Durante a semana o tribunal estava lotado de juristas e estudantes de direito como testemunhas prestaram depoimentos e, em seguida foram interrogados pela defesa liderada pelo advogado Jason Kay Kit Leon.

O tribunal ouviu como

Abbas Abid, um engenheiro de 48 anos de idade de Fallujah no Iraque, teve as unhas removidas por um alicate.

Ali Shalal foi eletrocutado com fios elétricos desencapados e ficou pendurado num muro.

Moazzam Begg foi espancado, encapuzado e colocado em confinamento solitário.

Jameelah foi despido e humilhado e foi usado como escudo humano enquanto era transportado por helicóptero.

As testemunhas também detalharam como eles têm sequelas até hoje.

Moazzam Begg, agora trabalhando como diretor do grupo de direitos humanos Cageprisoners, com sede em Londres, disse que estava feliz com o veredicto, mas acrescentou: "Quando as pessoas falam sobre Nuremberg devemos lembrar que todos os julgados foram processados depois da guerra".

"Neste momento, Guantánamo ainda está aberta, pessoas ainda estão sendo mantidas lá e ainda estão sendo torturadas lá."

Em resposta a perguntas sobre a diferença entre os governos Bush e Obama, ele acrescentou: "Se o presidente Bush foi o presidente da tortura extrajudicial então o presidente dos EUA, Barak Obama, é o presidente do assassinato extrajudicial através de ataques aéreos. Nosso trabalho está apenas começando. "

A acusação baseava-se na comprovação de como os tomadores de decisão do mais alto nível como o Presidente Bush, o Vice-presidente Cheney, o secretário da Defesa Rumsfeld, ajudados pelos advogados e outros comandantes e oficiais da CIA - agiram todos em conjunto. A tortura foi sistematicamente aplicada e se tornou uma norma aceita.

Segundo a acusação, todas as testemunhas expuseram a perpetração de uma clara, brutal, bárbara, cruel e desumana conduta contra eles.

Esses atos de crimes foram aplicados cumulativamente para infligir a pior dor possível e sofrimento, disseram os advogados.

O presidente do tribunal Tan Sri Dato Lamin bin Haji Mohd Yunus Lamin considerou que a acusação tinha estabelecido "acima de qualquer dúvida razoável que os acusados, o ex-presidente George Bush e seus asseclas, estão envolvidos em uma teia de instruções, memorandos, diretivas, assessores jurídicos e ações que estabeleceram um plano comum e proposital, uma empresa comum e /ou conspiração para cometer os crimes de tortura e crimes de guerra, incluindo – e não limitado a – um plano comum e com a finalidade de cometer os seguintes crimes, em relação à ‘Guerra ao Terror’ e as guerras lançadas pelos Estados Unidos e outros no Afeganistão e no Iraque."

O Presidente Lamin disse a um tribunal lotado: "Como um tribunal de consciência, o Tribunal está plenamente ciente de que sua sentença é meramente declaratória na natureza. O tribunal não tem poder de fiscalização, o poder de impor qualquer pena privativa de liberdade a qualquer um ou mais das 8 pessoas condenadas. O que podemos fazer, nos termos do artigo 31 do Capítulo VI da Parte 2 da Carta, é recomendar à Comissão de Crimes de Guerra de Kuala Lumpur a apresentar esta condenação pelo Tribunal, juntamente com um registro do presente processo, ao Procurador-Geral do Tribunal Penal Internacional, bem como para as Nações Unidas e para o Conselho de Segurança.

"O Tribunal também recomenda à Comissão de Crimes de Guerra de Kuala Lumpur que os nomes de todas as 8 pessoas condenadas sejam inseridos e incluídos no Registro da Comissão de criminosos de guerra e seja divulgado em conformidade.

"O Tribunal recomenda à Comissão de Crimes de Guerra que dê a mais ampla publicidade internacional a esta convicção e concessão de reparações, pois estes são crimes universais para os quais há uma responsabilidade sobre as nações para instituir processos se alguma destas pessoas processadas podem entrar em suas jurisdições".

O original em inglês está em Global Research. Traduzido por Vinicius C para o Batalha de Ideias.

Monday, May 14, 2012

Kony 2012: AFRICOM e os interesses do imperialismo na África

Essa matéria foi publicada na Edição 458 do Jornal Inverta, em 23/03/2012

O vídeo Kony 2012 discute Joseph Kony e seu LRA (Exército de Resistência do Senhor), grupo militar que atua no norte de Uganda, região rica em petróleo, com o objetivo de incentivar o apoio à invasão militar dos EUA e de seus aliados da OTAN

No dia 05 de março, o vídeo Kony 2012, dirigido por Jason Russell, da ONG “Invisible Children” foi colocado nos sites “YouTube” e “Vimeo”, somando em poucas semanas mais de cem milhões de acessos. O filme discute Joseph Kony e seu LRA (Exército de Resistência do Senhor), grupo militar que atua no norte de Uganda, com o objetivo de incentivar o apoio à invasão militar do país e a detenção de Kony. Apesar das tentativas deste pseudodocumentário de justificar o aumento da presença dos Estados Unidos e de seus aliados da OTAN numa região rica em petróleo, as guerras imperialistas estão cada vez mais desacreditadas e, em vez de apoio, Kony 2012 suscitou grande desconfiança quanto às intenções reais da grande potência e do seu AFRICOM (“Africa Command”).

Em fevereiro de 2007, o Departamento de Defesa dos EEUU anunciou a criação da infraestrutura para um novo comando militar no continente africano de modo a assegurar seus interesses no local. Este integraria uma arquitetura formada por outros comandos, como o CENTCOM (Oriente Médio) e o PACOM (Oceano Pacífico), que já atuavam na África, treinando e armando as forças armadas dos países do continente diretamente ligados aos Estados Unidos.

O AFRICOM foi fundado em 30 de setembro de 2008, com sede em Stuttgart, na Alemanha, enquanto não se encontra melhor lugar na África – nenhum dos países africanos quer, com efeito, sediar a estrutura do AFRICOM. Seus principais objetivos são controlar recursos estratégicos, principalmente petróleo, gás e urânio, e neutralizar as crescentes relações econômico-culturais chinesas no continente. No primeiro caso, cabe registrar que a Nigéria é o quinto maior exportador de petróleo para os EEUU e, junto de Guiné Equatorial e Angola, abastece 20% dos combustíveis fósseis do país, com perspectivas de chegar a 25% em 2015. Quanto à China, os investimentos do país oriental atingem atualmente US$5,5 bilhões por ano – principalmente em projetos de infraestrutura, na mineração e nas telecomunicações – os empréstimos concedidos já superam os US$10 bilhões e a China importa 1,5 milhão de barris de petróleo por dia. Além disso, na década passada, mais de 750 mil chineses estabeleceram-se na África e o país desenvolveu centros culturais para aprendizado de mandarim e cantonês em zonas rurais.

Por estes motivos e no sentido do “novo conceito estratégico” estabelecido na reunião da OTAN em Lisboa no final de 2010, o qual pretende que a organização possa “atuar em qualquer lugar do mundo”, a administração Obama recrudesceu a presença militar na África: fez exercícios militares e estabeleceu seus navios de guerra próximos a regiões ricas em petróleo; reforçou as relações com países estrategicamente localizados como Quênia, Djibuti e São Tomé e Príncipe; organizou golpes de Estado no Níger e recentemente no Mali; levou grupos pró-imperialistas ao poder em países que ainda lhes opunham alguma resistência, como Costa do Marfim e Líbia; incentivou a invasão de diversos países à Somália sob o pretexto de luta contra o terrorismo; e foi o principal articulador na criação do estado-títere do Sudão do Sul no começo de 2011.

Em março do ano passado, a Casa Branca publicava a Resenha Quadrienal de Defesa 2010, que definia os planos militares do país para os próximos quatro anos. Este projeto já está sendo levado a cabo, principalmente no Chifre da África e no Sahel, por meio da capacitação, assessoramento e equipamento de países aliados a fim de desenvolver forças preparadas para conflitos de pequena escala ou de baixa intensidade e realizar operações secretas como assassinatos seletivos. É neste contexto que se encontra o interesse, anunciado em outubro de 2011 por Barack Obama, de enviar cem tropas a Uganda e interferir militarmente no país.

Antes de tratar propriamente do vídeo, é necessário detalhar a história do LRA. O exército liderado por Kony foi formado em 1987 e atua numa área que compreende não somente Uganda, mas também a República Centro-Africana, o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo e provavelmente o Chade. Sua ideologia é uma combinação de um fanatismo católico extremo – Kony se apresenta como possuído pelo Espírito Santo – e um forte componente animista que funde religiões tradicionais e messianismo. De fato, o LRA representa politicamente os acholi, povo que, desde 1996, tem sido expulso de suas terras, ricas em petróleo e em outros recursos naturais, e confinado em campos de refugiados pela ditadura títere de Yoweri Museveni.
Kony 2012, entretanto, não discute o governo Museveni: com um tom apelativo, limita-se a apontar o sequestro, a escravização e a militarização de crianças pelo LRA. Apesar de os Estados Unidos já estarem efetivamente atuando na região, o vídeo conclama apoio popular a uma intervenção ainda maior. Desta forma, muitas foram as questões suscitadas: por que necessariamente uma intervenção militar? Por que agora, se o LRA já existe há 26 anos? Dado que se trata de um exército que atua em vários países, Kony estaria mesmo em Uganda? Qual seria a extensão desta guerra, se não estiver? Por que nada é dito da ditadura Museveni?

Quando exibido publicamente no norte de Uganda, supostamente ao público que pretende “ajudar”, a simplificação do conflito não foi bem recebida pelos espectadores e muitos chegaram a jogar pedras contra a tela. A extrema hostilidade deve-se ao rechaço à lógica simplista de “mais um conflito africano” sem dimensão histórica e a uma campanha capitalista de estilo ocidental que envolve a divulgação por Facebook e Twitter, um pacote com camisetas, pulseiras e adesivos com a cara de Joseph Kony e o convite a políticos como Bill Clinton e George W. Bush e personalidades como Bono, Oprah e Lady Gaga. Apesar de mencionar a história de um menino ugandês, os personagens principais são estadunidenses e as soluções passam pelas grandes potências imperialistas – afinal, trata-se do “fardo do homem branco”.

A ONG Invisible Children tem como patrocinadores grupos extremamente conservadores: o think thank Discovery Institute – defensor de uma tese neocriacionista, o Design Inteligente, contra o darwinismo –, a National Christian Foundation e a Caster Foundation, duas fundações que promovem a homofobia nos Estados Unidos e no mundo. Não é demais lembrar que a ditadura Museveni tornou a homossexualidade um crime em Uganda punível com pena de morte. Além disso, Invisible Children juntou-se com duas outras organizações, Resolve e Digitaria, para criar a LRA Crisis Tracker, uma plataforma digital de mapeamento de ataques supostamente cometidos pelo LRA. A Resolve é patrocinada por diversas entidades favoráveis às guerras dos EEUU em nome da democracia e da liberdade, tais como a Human Rights Watch e o International Rescue Comittee, e os parceiros da Digitaria são as redes CBS, FOX, MTV, ESPN, Adidas, NBC e Warner Brothers. Muitos jornalistas, como Keith Harmon Snow, alegam que a Invisible Children tem relações diretas com serviços de inteligência estadunidenses e a ONG também é acusada de dar apoio financeiro ao governo ugandês e ao pró-imperialista Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA).

Quanto a Museveni, o Tribunal Penal Internacional o acusa também de ter usado crianças como soldados durante o massacre perpetrado no Congo no final dos anos 1990 e começo dos 2000. O exército do país é desproporcionalmente grande em comparação a sua diminuta dimensão e há milhares de soldados ugandeses ocupando a Somália para manter seu estado atual de ingovernabilidade que facilita a exploração pelas potências imperialistas. Em troca, o governo Museveni recebe US$ 45 milhões em ajuda militar. Aliás, numa decisão recente, o Pentágono admitiu que tal suporte aumentasse: um grupo de 30 marines seria mandado para Uganda para treinar as tropas do país a lutarem não apenas contra o LRA, mas também contra o Al Shabaab somali. E a intervenção não se restringirá à Uganda, Kony está sendo usado como pretexto para a atuação dos EEUU em cinco países africanos.

A África Central já estava nos planos militares dos EEUU há muito tempo: além de sua proximidade com o instável e estrategicamente localizado chifre africano, há na região países como o Sudão do Sul, rico em petróleo, e a República Democrática do Congo, cheia de minérios (diamante, cobalto, ouro, cobre, urânio, magnésio, coltan etc). Por isso mesmo, já no final de 2008, os Estados Unidos lançaram a fracassada Operação Lightning Thunder. Em julho de 2009, foi encontrado cerca de 2,5 a 6 bilhões de barris de petróleo na zona dos grandes lagos em Uganda. Menos de um ano depois, em maio de 2010, Obama aprovou um projeto de lei que permitia aos EEUU enviarem forças militares contra o LRA em Uganda, na República Democrática do Congo, no Sudão do Sul e na República Centro-Africana. Em outubro do ano passado, a Casa Branca anunciou que enviaria tropas para Uganda no mesmo momento em que o primeiro-ministro de Uganda, Amama Mbabazi, e outros dois ministros foram acusados de receberem suborno de empresas petroleiras, particularmente da britânica Tullow Oil, para regularizarem a partilha do espólio.

Quando perguntado “por que agora?”, o porta-voz da embaixada estadunidense em Uganda, Daniel Travis, disse: “é simplesmente o resultado de um processo que começou em 2009, quando o Congresso aprovou uma lei sobre a intervenção, o presidente a assinou em 2010 e, para ser sincero, agora nossos compromissos em outras partes do mundo estão sendo reduzidos e temos o pessoal e os recursos para esta missão”. Não se pode esquecer tampouco que este é um momento muito delicado nas relações entre Sudão e Sudão do Sul, que tentam uma aproximação diplomática, apesar das tentativas das potências ocidentais de “dividir para imperar”. No centro do debate, está justamente a polarização em torno das companhias petrolíferas chinesas: de um lado, o governo pró-imperialista de Juba, alegando “não cooperação”, expulsou o diretor da empresa chinesa Petrodar e, de outro, Cartum solicita o retorno às negociações com o país asiático. O Sudão do Sul ainda depende da estrutura de transporte e refino sudanesa e, por isso, pretende construir um oleoduto pelo Quênia até o porto de Mombassa. Tudo isso afeta diretamente Uganda.

O vídeo Kony 2012 ecoa a velha propaganda bélica, adaptando-a à roupagem de um novo cyber ativismo pequeno-burguês. No fundo, não faz mais que reproduzir a batida lógica simplista de um só homem responsável pela desgraça de todo um país, já empregada contra Saddam Hussein, Osama Bin Laden, Bashar Al Assad etc, e a intervenção militar como única saída. Primeiramente, deve-se ressaltar que a causa central da atual situação de Uganda são os anos de exploração neocolonialista pela Inglaterra, durante os quais se impôs aos povos acholi o trabalho forçado. Segundo, é importante notar a aplicação ao cenário internacional do discurso de responsabilização individual que permeou a prática da “tolerância zero”, uma doxa penal conservadora, fortalecida a partir dos anos 1980, com a ascensão do neoliberalismo.

Em seu discurso de aceitação no Senado dos EEUU como Secretária de Estado no início de 2009, Hillary Clinton deu destaque ao que chamou “smart power” (poder inteligente), ou seja, recorrer a todas as ferramentas possíveis para fazer valer os interesses dos EEUU, combinando táticas agressivas (“hard power”) e capacidade de atração (“soft power”). Neste caso, a ex-senadora assinalou a importância da divulgação de campanhas pela internet, entre outros meios, para auxiliar no trabalho ideológico de promoção das guerras imperialistas (dado que, em parte, Obama foi eleito para limpar internacionalmente o extremo desgaste provocado pelos anos de arrogância de George W. Bush). Kony 2012 é um primeiro teste nesta direção.

o original encontra-se em http://bit.ly/JSV7id