Wednesday, February 19, 2014

A luta de classes na Venezuela hoje


por Tânia Sáenz, para o Batalha de Ideias.

Foi anunciada outra tentativa de golpe de Estado na República Bolivariana da Venezuela. Os últimos acontecimentos, de 12 de fevereiro à data, desvelam que os planos golpistas seguem seu curso com táticas e tempos diferentes, mas com os mesmos atores que se obstinam em retomar o poder que perderam nas eleições, referendos, consultas legítimas e legais durante 15 anos.

É certamente uma lição de História: quando estão em jogo os interesses de classe, como ocorre na República Bolivariana da Venezuela, as regras do jogo, consolidadas para épocas ou conjunturas nas que a classe exploradora pode exercer sua hegemonia e poder de forma esmagadora, deixam de existir.

No marco dos atos de comemoração do 200° Aniversário da Batalha da Vitória, de 12 de fevereiro de 1814, quando o militar patriota José Félix Ribas e 200 jovens seminaristas e estudantes da Universidade de Caracas derrotaram as tropas realistas no estratégico Punto de la Victoria (Estado Aragua), a oligarquia venezuelana, dirigida pelos Estados Unidos, tentou “recriar” o golpe de Estado frustrado em 2002.

Muitas são as indagações e afirmações sobre o que está acontecendo no país. Uma análise simplista poderia levar à conclusão de que a população está descontente com o governo de Nicolás Maduro e decidiu tomar as ruas, já que, mesmo derrotada nas eleições municipais de 8 de dezembro de 2013, a oposição venezuelana continua atuando fora do marco constitucional, sem assumir a derrota e sem aceitar as formas de luta política vigentes. As tentativas de derrocar o processo bolivariano que começou em 1999 com a liderança do Comandante Hugo Chávez nunca cessaram.

O forte impacto emocional e político que se deu após o desaparecimento físico do Presidente Hugo Chávez sobre as classes populares foi aproveitado pela oligarquia para intensificar a guerra econômica e ideológica contra o povo. Após a vitória eleitoral do Presidente Nicolás Maduro em 14 de abril passado, os setores fascistas acharam que seu momento tinha chegado outra vez. A especulação de produtos da cesta básica, e também de faixa média e alta; o aumento da inflação; o descontrolado contrabando de petróleo, alimentos e outros produtos para a Colômbia; a fuga de divisas, etc., além do admitido problema da violência e segurança, que não podem ser entendidos sem os anteriores, esquentavam o ambiente.

A dúvida era se o novo Governo, que nasceu sob circunstâncias tão especiais e fortemente atacado por todos os lados, estaria à altura das circunstâncias. A resposta não demorou em chegar: o novo Governo, liderado por Nicolás Maduro, estava sim disposto a dar a batalha.

Enfrentou o tema da especulação e do encarecimento desorbitado dos preços. Conjuntamente com as comunidades organizadas, que configuram o que lá se chama de Poder Popular, foram realizadas centenas de inspeções que implicaram em fechamentos cautelares de estabelecimentos, abertura de processos judiciais de muitos especuladores, multas, fuga de empresários especuladores, etc.

Em 19 de novembro de 2013, a Assembleia Nacional aprovou A Lei Habilitante a pedido do Presidente da República, que “promete reforçar a ofensiva contra a Guerra Econômica que se orquestrou no país para roubar o povo”. Nicolás Maduro, em roda de imprensa, informou que “a partir de janeiro de 2014, iniciará com a mesma equipe de Governo uma nova ordem econômica que permita apoiar o povo… Com a Lei Habilitante vou deixar os preços onde têm que estar…”

O primeiro grande desenvolvimento da Lei Habilitante foi a aprovação da “Lei para o Controle dos Custos, Preços, Lucros e Proteção da Família Venezuelana” em 23 de janeiro de 2014. Dita Lei tem como objetivo “equilibrar a economia nacional e semear as bases da Nova Ordem Econômica proposta pelo Executivo, para que o país dê o salto para a industrialização, com base em preços e lucros justos…uma arma para enfrentar a guerra econômica que deixou em 2013 uma onda especulativa, quando empresários e comerciantes venderam produtos essenciais em até 2000% acima de seu valor real”, afirmou o Presidente.

Para pôr um fim à “captura” fraudulenta de divisas e atacar o mercado negro especulativo, o Instituto para a Defesa das Pessoas no Acesso aos Bens e Serviços (INDEPABIS) e a Comissão de Administração de Divisas (CADIVI) foram dissolvidos. Em seu lugar, foi criado o Centro Nacional de Comércio Exterior, que aglutina outras instituições relacionadas com o comércio exterior e que, nas palavras do Presidente, “supõe uma nova etapa. É a nova ordem econômica […] novos mecanismos que permitam pular a etapa aproveitada pelos inimigos da pátria […]. Não podemos seguir com o sistema do
cadivismo. Temos que tomar decisões radicais para um controle completo e real da renda petroleira para o investimento na economia e na sociedade”.

Outro problema latente em que se toca é o do contrabando na fronteira com a Colômbia. Os recursos de todo tipo que saem do país por essa extensíssima e conflituosa fronteira ascendem a quantidades soberbas. Saem recursos roubados do povo da Venezuela e entram dinheiro ilícito, drogas, armas e paramilitares. Nos Estados fronteiriços como Zulia e Táchira (também em outros próximos geograficamente), estas máfias, amparadas por governos corruptos, acumularam um forte poder, não só econômico, mas também político e criminoso.

Em 2012, ambos os Estados (Zulia e Táchira) foram governados por candidatos do PSUV. Quando as novas autoridades, seguindo as diretrizes do Governo central, anunciaram e começaram a atuar contra a esse comércio ilícito e bilateral, começou-se a observar os primeiros passos do golpe de Estado frustrado que culminaria neste 12 de fevereiro de 2014. Poucos dias antes, o Governo da República Bolivariana da Venezuela anunciou os acordos assinados com seu par colombiano, mediante os quais se proíbe o envio de encomendas de insumos, medicamentos, alimentos, etc.; assim como a proibição do envio de dinheiro em divisas. A partir de agora quem quiser enviar dinheiro da Venezuela à Colômbia deverá fazê-lo em pesos colombianos.

É importante mencionar também a aprovação e consolidação do “Plano da Pátria” pela Assembleia Nacional em 4 de dezembro de 2013, após um período de debates. Desenvolvido de acordo com o “Plano Socialista de Desenvolvimento Econômico e Social da Nação, 2013-2019”, proposta política do Presidente Chávez em sua última campanha eleitoral, que foi apresentada e defendida por Nicolás Maduro. Entre os objetivos este Plano, que já é Lei do Estado, contempla como grandes objetivos históricos, entre outros: “Defender, expandir e consolidar o bem mais precioso que temos reconquistado após 200 anos: a Independência Nacional; continuar construindo o socialismo bolivariano do século XXI na Venezuela como alternativa ao sistema destrutivo e selvagem do capitalismo…”

O fascismo: sua cara e seu plano

Quem são os que compõem esta corrente golpista? Entre suas filas estão empresários da poderosa Fedecamaras, donos de meios de comunicação privados, nacionais e internacionais; partidos políticos, ONGs e igrejas articuladas na Mesa de la Unidad Democrática (MUD), seus aliados internacionais na Espanha, Colômbia e Miami, e o Departamento de Estado dos Estados Unidos.

A emblemática figura do golpe de abril de 2002, o multimilionário empresário Pedro Carmona, é o pai do golpismo. Refugiado na Colômbia desde aquela época, mantém uma rede de golpistas na Venezuela. Entre eles, Jorge Roig e Eligio Cedeño como operadores políticos, o primeiro em Caracas e o segundo em Miami. Ambos promovem o boicote econômico, desabastecimento e a
especulação de produtos. Além de financiar grupos conspirativos com fachada de civis como a ONG Humano y Libre. E, claro, mantêm laços com Otto Reich, cubano-americano, que tem um currículo digno de um terrorista, pertence ao governo estadunidense e canaliza toda a energia possível contra a Venezuela.

A matriz de opinião dada pelos meios regionais, principalmente o colombiano NTN24 e a estadunidense CNN, é que o cenário é de “mobilizações pacíficas” vs “excesso das forças de segurança”. Enquanto isso, os grupos unidos ao partido de direita
Voluntad Popular saem violentamente às ruas provocando a morte de 3 pessoas e 66 feridos.

Com o apoio dos golpistas, ONG’s se proliferam e atuam abertamente. O Centro de Divulgação do Conhecimento Econômico para a Liberdade (CEDICE), que tem como principal financiador o Centro para a Empresa Privada Internacional dos Estados Unidos (CIPE), é o mais visível. Posicionando-se politicamente como entidade crítica às políticas econômicas do governo venezuelano, promove o boicote.

Os partidos que se reúnem na MUD são Acción Democrática, Primero Justicia, COPEI, Causa Radical, Voluntad Popular, Proyecto Venezuela, entre outros grandes e pequenos, que se uniram para forjar um bloco opositor. Liderado por Henrique Capriles, ex-candidato presidencial, participa nas eleições e controla algumas municipalidades e governações (estados venezuelanos), assim, instrumentaliza e gerencia projetos de cooperação internacional com a USAID e a Fundação Nacional para a Democracia (NED, por sua sigla em inglês). Seu objetivo fundamental é derrotar o bolivarianismo a qualquer custo.

A oposição também conta com o apoio da direita internacional, principalmente dos partidos, representantes empresariais, intelectuais e políticos aglutinados na União de Partidos Latino-americanos (UPLA) e da Fundação para a Análise e Estudos Sociais, presidida pelo ex-presidente espanhol José María Aznar. Em 2009, a direita latino-americana se reuniu em Caracas no “Encontro Internacional Liberdade e Democracia: O Desafio Latino-americano” com o fim de aprofundar a campanha midiática e política contra o governo da Venezuela. O Partido COPEI lançou a palavra de ordem “golpe brando” contra o bolivarianismo.

Outro ex-presidente que não poderia faltar é Álvaro Uribe, colombiano, acusado legalmente e publicamente por narcotráfico e paramilitarismo. Muitas são as denúncias sobre sua participação nas tentativas de golpe do exterior.

Além disso, o Departamento de Estado dos EUA dá cobertura ao bloco opositor. A NSA e a CIA contam com base de operações no país. A embaixada estadunidense é uma incubadora de conspiradores e ações desestabilizadoras, como foi denunciado em várias ocasiões pelo governo do Presidente Chávez, que entrou em conflito direto com os diplomatas, declarando-os
persona non grata.

No contexto das recentes ações de rua do partido
Voluntad Popular, a Venezuela expulsou outros três diplomatas que nas Universidades realizavam atividades conspirativas e em troca prometiam vistos estadunidenses aos estudantes. O senador John Kerry, designado como próximo secretário de Estado dos Estados Unidos, deu delcarações no Senado sobre sua expectativa para o futuro da Venezuela: “Acho que, dependendo do que acontecer na Venezuela, pode haver uma oportunidade real para uma transição”.

A atual política de força implementada pelos grupos de direita
Voluntad Popular liderada por Leopoldo López e secundada pela também opositora María Corina Machado, é um componente da estratégia geral de desgaste do governo de Nicolás Maduro.

Trata-se de um bloco opositor político de grupos de direita que participam em eleições, desestabilizam através dos meios de comunicação, armam grupos paramilitares e atuam em manifestações em conjunturas específicas, segundo suas avaliações sobre o momento político. Qualquer uma das duas vias, pacífica ou violenta, nunca ficam definitivamente descartadas.

Em um contexto muito difícil para a economia venezuelana, as mobilizações e a violência dos grupos de direita, encontram terreno fértil. O conglomerado golpista avalia que é o momento de debilitar estrategicamente o governo bolivariano.

O que vimos até então foram grupos armados, franco-atiradores, estudantes manipulados, dirigentes de extrema direita fazendo chamados públicos à rebelião até que o Governo democraticamente eleito caia; tentativas de assalto às instituições do Estado (como foi o caso do Ministério Público e do canal público Venezolana de Televisión); páginas na internet e Twitter hackeados; declarações gravadas nas que se anunciaram mortes antes de acontecerem…

Porém, a legítima resposta do Governo não se fez esperar: detenções, ordens de busca e prisão. O Presidente Maduro anunciou “Não existe porta-voz do império que possa conosco, não nasceu ainda quem possa com a Venezuela, porque esta é a pátria de Bolívar e é o povo de Chávez”.

E o povo, nas ruas, grita “ A pátria não se vende, a pátria se defende!”, “Aqui, os Venezuelanos estão com os pés na terra! Dispostos a defender a pátria bonita e a defender o legado de nosso Comandante Hugo Chávez Frías!” e “Fascistas, não passarão!”


Friday, February 7, 2014

MÉDICOS CUBANOS: A VERDADE SOBRE A FUGA





Há dois anos, em 2011, o canal-web cubano Cubainformación respondia a um ataque conjunto de toda a grande mídia oligopolista hispano-americana, que fazia alarde sobre a suposta "deserção" de médicos cubanos da missão Barrio Adentro, na Venezuela.

A missão Barrio Adentro, então um dos principais programas sociais do governo bolivariano da Venezuela, tem algo de parecido com o Mais Médicos do governo Dilma. Ali, assim como aqui, médicos cubanos eram enviados em missão aos bairros mais pobres de Caracas (os barrios, as favelas venezuelanas) para atender à população de que a elite médica local recusava-se a tratar.

Ali, assim como aqui, em 2011, alguns médicos cubanos integrantes da missão Barrio Adentro desertaram a brigada de solidariedade popular e pediram asilo nos Estados Unidos, formando parte de um programa especial vinculado ao Departamento de Estado estadunidense, o Cuban Medical Professsional Parole.

No post de hoje o Batalha de Ideias reproduz o video de Cubainformación, em solidariedade a todos os 40 mil médicos cubanos presentes em missões ao redor do mundo, em solidaariedade a todos aqueles que, ao invés da deserção reafirmam suas posições de tratar da população carente e que levantam alto a bandeira do internacionalismo proletário.