A volta do Batalha de Ideias!
Agora com um layout muito mais simples e de rápida visualização. Continuamos nosso trabalho de tradução e publicação de textos que contribuam com a análise da conjuntura atual, nacional e internacional.
Na edição desta semana, um artigo de Pyotr Iskenderov, do Strategic Culture, traduzido pelo Vinicus Cione, sobre a questão energética na Europa.
Seguimos na luta!
Guerras energéticas na Europa: Navios petroleiros versus Oleodutos
Pyotr
Iskenderov
A
concorrência no mercado europeu de gás entrou numa nova fase. A
russa Gazprom está aumentando gradualmente os seus fornecimentos
para a Europa. A empresa está à procura de novas formas de fornecer
gás pelas rotas norte-sul. Os EUA, principal rival geopolítico da
Rússia, apressou-se para exportar gás natural liquefeito (GNL)
transportado pelo mar.
Um
petroleiro estadunidense transportando GNL produzido na Louisiana
chegou ao Porto de Sines, em Portugal, a 26 de abril Esta é a
primeira exportação de gás dos EUA para o mercado europeu.
"É
o início da guerra de preços entre o GNL estadunidense e o gás
encanado", afirmou Thierry Bros, analista da Société Générale.
Os
debates sobre os gasodutos russos tornaram-se um elemento de
rivalidade política, escreve o Polish Biznes Alert.
Não
há nenhuma razão para discordar da afirmação polonesa.
Em
todas as guerras, incluindo guerras de preços, a capacidade de um
dos lados beligerantes de utilizar eficazmente os recursos
disponíveis não é o único fator que pode decidir o resultado. É
importante construir alianças. Quais são as chances de vitória da
Rússia e dos EUA nesta guerra virtual?
Moscou
pode aumentar o abastecimento para a Europa no momento. É uma
vantagem óbvia. A gigante russa do gás Gazprom aumentou as
exportações de gás natural para a Europa e para a Turquia entre 01
de janeiro e 16 de Abril em 22,6 % comparado ao mesmo período do ano
anterior, conforme anunciou o CEO da empresa Alexey Miller, no dia 18
de abril.
Segundo
ele, as exportações para a Áustria aumentaram 24,7%, para o Reino
Unido 162,3%, Alemanha 21,3%, Itália 16%, Países Baixos 115%,
Polônia 35,7% e França 50,2%. A posição geográfica da Áustria e
a disponibilidade da infraestrutura desenvolvida, incluindo a Gas Hub
Baumgarten (Central European Gas Hub), destacam este país como um
caso especial. A Áustria desempenha um papel fundamental no sistema
energético europeu.
Em
janeiro de 2016, as exportações da Gazprom para a Áustria
aumentaram 76, 2% em relação ao mesmo mês do ano passado. Os
fornecimentos também cresceram em 2015. As entregas de gás
aumentaram 11,5 por cento em relação a 2014.
"A
Rússia fornece 25% do gás da Europa", afirma Hubertus Bardt,
especialista em energia do Instituto de Pesquisa Econômica de
Colônia. "Nós não conseguiríamos sem a Rússia. Mas eles
precisam do dinheiro europeu. Eles provaram ser um fornecedor muito
confiável, mesmo nos tempos da Guerra Fria. Se não vender o gás,
toda economia e segurança social russa entra em colapso",
explica o especialista.
A
Rússia tem outra vantagem. Ela pode construir tanto rotas de
gasodutos leste-oeste, quanto norte-sul na Europa. Por exemplo,
existem negociações em curso sobre a possibilidade de a Itália
receber fornecimento de gás da "rede Nord 2" via Alemanha,
República Tcheca e Áustria. O projeto está previsto para seguir a
rota estabelecida pelo gasoduto Nord Stream e que atravessa o Mar
Báltico da região de São Petersburgo (Rússia) até a costa
báltica, a nordeste da Alemanha. O gasoduto vai atravessar as águas
territoriais de cinco países, nomeadamente Rússia, Finlândia,
Suécia, Dinamarca e Alemanha. "De qualquer forma, eles agora
recebem gás a partir da Baumgarten, se ampliarmos o alcance da
Baumgarten para o Norte, constituiria uma oportunidade adicional, sem
excluir a direção sul. É apenas uma diversificação das rotas ",
afirmou o ministro da Energia russo Alexander Novak.
O
Nord Stream-2 não exclui a participação da Rússia no projeto
Poseidon, uma via submarina de alta capacidade, que irá ligar os
sistemas gregos e italianos de transporte de gás natural.
A
Gazprom, a italiana Edison e a grega DEPA firmaram, no dia 24 de
fevereiro, um Memorando de Entendimento sobre o fornecimento de gás
natural através do Mar Negro russo por meio de terceiros países
para a Grécia, e depois da Grécia para a Itália, a fim de
estabelecer uma rota sul para enviar gás natural russo para a
Europa.
Há
mais uma vantagem que faz pender a balança pro lado da Rússia - a
minimização dos riscos políticos e econômicos colaterais.
Mario
Mehren, Presidente do Conselho de Diretores Executivos da
Wintershall, disse de forma figurada que o Mar Báltico é o melhor
país de trânsito. Esta afirmação baseia-se na experiência com o
Nord Stream 1. Segundo ele, sua empresa assume a responsabilidade,
pois acredita que o projeto Nord Stream 2 é economicamente viável.
A sua implementação é muito importante para o setor energético.
Em alguns países, há críticas a este respeito. Mas deve se dar
prioridade para conduzir o fornecimento de gás a um preço ideal.
Esta é a meta, enfatizou Mehren em seus comentários sobre o projeto
de transporte do gás natural russo que liga a Rússia com a Alemanha
e outros Estados-membros da União Europeia.
Além
disso, há indícios de que alguns países, como a Polônia, que têm
se mostrado críticos ao Nord Stream, podem mudar em breve de
posição. Varsóvia está revendo em segredo sua posição sobre o
Nord Stream 2. De acordo com a Wintershall, a Polônia já apresentou
a sua própria solicitação para um aumento no fornecimento de gás
no momento em que o Nord Stream 2 se tornar operacional.
Há
outro fator importante a ser pontuado. Os europeus, especialmente
empresários, são alimentados pela política antirrussa de Bruxelas.
As sanções impostas a Moscou fracassaram em sua tentativa de
alterar as políticas externas e internas russas. Segundo as
estatísticas, o volume de negócios do comércio UE-Rússia foi
reduzido em 39% durante os primeiros dez meses de 2015. As
exportações da UE para a Rússia encolheram em 43%. As exportações
da Alemanha decresceram 40%, a França 48%, da Itália 38% e da
Finlândia 45%.
Dadas
as circunstâncias, muitos europeus encaram a política de
afastamento em relação à Rússia no que se refere a acordos
energéticos como uma obstinação insensata de prejudicar a Europa,
beneficiando os Estados Unidos em busca de mercados para vender seu
gás natural liquefeito.
Hoje,
o fornecimento de gás russo para a Europa não enfrenta qualquer
concorrência, mas a situação pode mudar em breve com a exportação
de gás natural liquefeito (GNL) pelos Estados Unidos, Qatar e
Austrália ao Velho Continente.
A
extração de gás de xisto tem crescido significativamente nos
Estados Unidos. Este fato tem sido alardeado pela imprensa. Um
navio-tanque transportando GNL enviado pela Cheniere Energy por seu
terminal de exportação em Sabine Pass, Louisiana, está a caminho
de Portugal. O Wall Street Journal (WSJ) informa que o evento marca o
primeiro carregamento em um relacionamento comercial que poderia
abalar o mercado europeu, atualmente dominado pela Rússia.
O
navio-tanque chegou ao Porto de Sines em Portugal a 26 de abril. O
WSJ cita Trevor Sikorski da agência de consultoria londrina Energy
Aspects. Segundo ele, o impacto do gás dos EUA na Europa "será
gradual, mas começa a mudar tudo". "O novo GNL imporá uma
pressão depreciativa sobre os preços, e a perda em volume e em
valor poderia ser um remédio muito amargo de engolir" para a
Rússia, diz o especialista.
De
fato, é a primeira vez em meio século que os Estados Unidos
começaram a exportar gás, mas os fornecimentos norte-americanos
transportados por mar não vai substituir as exportações russas num
futuro próximo. E estas são as razões:
Primeiramente,
é a primeira vez em décadas que os Estados Unidos transportam gás
para o exterior, mas as empresas privadas vendem com base na melhor
oferta - e não apenas para os países que Washington pode querer por
razões geopolíticas. Estas corporações não têm como objetivo
tomar o mercado europeu da Rússia a fim de privá-la de seus lucros.
Em fevereiro, por exemplo, a Cheniere Energy Inc. enviou o seu navio
com o primeiro carregamento de gás natural liquefeito para o Brasil.
A revista Foreign Policy relata que "para as empresas, no caso
do bombeamento, congelamento e exportação de gás, a questão
fundamental é a economia, e não a política. As empresas
estadunidenses venderão gás para os compradores dispostos a pagar
mais dinheiro - e não necessariamente aonde eles conseguem avançar
a agenda estratégica dos EUA ao máximo".
Em
segundo lugar, as empresas norte-americanas precisam de cadeias de
abastecimento para vender GNL. Elas se utilizam de intermediários em
acordos comerciais. Foreign Policy escreve que "cerca de 90 por
cento da capacidade de exportação do terminal de Sabine Pass já
foram engolidos por empresas privadas na Grã-Bretanha, Espanha,
Índia e Coreia do Sul. Empresas como a britânica BG Group
provavelmente revenderão o gás a clientes em outros países, mas a
maioria dos compradores provavelmente utilizará o gás
norte-americano para alimentar usinas termelétricas e para o
aquecimento doméstico no interior de suas fronteiras".
A
Cheniere assinou contratos de longo prazo com algumas empresas de gás
europeias, incluindo a BG Group, que foi adquirida no início deste
ano pela Royal Dutch Shell PLC, e a espanhola Gas Natural. Todas
essas empresas participarem em projetos russos de fornecimento de gás
por gasodutos. Como combinado no acordo dos acionistas firmado a 04
de setembro de 2015, cogita-se que a Royal Dutch Shell PLC fará
parte do consórcio internacional Nord Stream 2. É difícil imaginar
que eles deixarão os EUA privá-los dos lucros.
Em
terceiro lugar, a indústria de xisto estadunidense é muito
suscetível a riscos geopolíticos e às flutuações dos preços
internacionais do petróleo. A Chesapeake Energy Corp. recentemente
penhorou "fundamentalmente todos" os seus campos de gás,
edifícios de escritórios e contratos de derivativos para manter o
acesso a uma linha de crédito de US$ 4 bilhões, num momento em que
a exploradora de xisto enfrenta a queda dos preços de energia. Pelo
acordo, a empresa transferiu como garantia aos credores - os bancos
MUFG Union Bank NA e Wells Fargo Bank Securities - 90% de suas
reservas comprovadas de petróleo e gás, bem como a maior parte de
seus ativos no setor imobiliário, instrumentos derivativos,
depósitos e títulos. No início de fevereiro, a Chesapeake
contratou um advogado para registro de uma possível falência. A
empresa tinha dinheiro suficiente para fazer somente um reembolso de
empréstimos de US$ 500 milhões.
Em
quarto lugar, a Rússia não está parada de braços cruzados diante
desta situação. A Novatek está envolvida com o projeto Yamal GNL
para explorar o campo de gás de South Tambey. A partir de 2017, a
empresa calcula produzir 16,5 milhões de toneladas de gás natural
liquefeito anualmente. Não haverá problemas com demanda de consumo
no momento em que os contratos já forem assinados. A Novatek planeja
construir uma segunda planta de GNL na península de Gydan, uma
característica geográfica da costa da Sibéria no Mar de Kara. As
monarquias do Golfo Pérsico, especialmente o Kuwait, estão entre os
potenciais compradores. O Kuwait tem planos para comprar até 1,5
milhão de toneladas de gás natural liquefeito (GNL) da Rússia
anualmente, como afirmou Nasser Abdullah Saleh, diretor
administrativo adjunto da Kuwait Petroleum Corporation (KPC), no dia
22 de abril.
No
final de 2015, a gigante russa de energia Gazprom e a Kuwait
Petroleum Corporation concordaram em cooperar nas áreas de gás
natural liquefeito (GNL), gases liquefeitos de hidrocarbonetos e
outros projetos petroquímicos, bem como nas áreas científica,
técnica e de investimento.
Em
quinto lugar, a Rússia pode oferecer um negócio mas vantajoso. Nos
preços atuais, o GNL estadunidense entregue à Europa custaria cerca
de US$ 4,3 por milhão de unidades térmicas britânicas (MBTU), de
acordo com a Argus Media, uma agência de cotações e dados de
mercado sobre combustíveis. A Rússia vende o seu gás para a Europa
por US$ 5,80 por MMBTU, em média. No entanto, os especialistas dizem
que a Rússia poderia praticar preços profundamente mais baixos em
uma eventual guerra de preços, abaixo de US$ 3 por MMBTU.
Ao
contrário de seus concorrentes estadunidenses, os produtores de gás
da Rússia não estão tão fortemente vinculados aos preços
internacionais do petróleo. Isso lhes permite reduzir os custos do
gás sem maiores prejuízos. Os preços abaixo de US$ 3 conduziriam a
concorrência norte-americana à falência.
http://www.strategic-culture.org/news/2016/04/26/europe-energy-wars-tankers-against-pipelines-i.html
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