por Antonio Cícero Cassiano Sousa, originalmente publicado no Jornal Inverta no. 446, em
24/09/2012
O chamado escândalo do “mensalão” veio à tona com a
divulgação em 2005 de um vídeo onde um funcionário dos Correios era
flagrado recebendo propina de um suposto empresário interessado em
licitações. Aparentemente algo corriqueiro na administração do Estado
burguês. O que estava por vir, no entanto, adquiriu conotação de grave
crise política que ameaçou a reeleição do então presidente Lula. A
imprensa dos monopólios voltou-se para o caso com todas as suas
baterias, no melhor estilo copiado do nazifascismo de uma mentira (no
caso, trata-se de uma velha prática apresentada como novidade – esta é a
falsificação!) repetida mil vezes se torna verdade. O operador das
transações seria o publicitário Marcos Valério. Quando as denúncias
chegam à cúpula do PTB, o Sr. Roberto Jeferson assume o papel de
denunciante e volta-se contra a cúpula do PT, acusando-a de patrocinar
um esquema de compra de votos. Nas entrelinhas, o apresentador do
sensacionalista “Povo na TV” deixava entender que havia mais a
denunciar, como caixa dois na campanha de FHC. Durante meses, a mídia
burguesa exibiu o espetáculo, que se não inviabilizou a reeleição de
Lula, foi suficiente para manter o governo na “rédea curta”.
Além de prática secular na administração do Estado pela burguesia no Brasil e no mundo, o escândalo do mensalão revela uma disputa entre as oligarquias. Com a eleição de Lula, houve o deslocamento do setor das oligarquias que representava o City Group (Citibank) e o Grupo Opportunity de Daniel Dantas (governo FHC). Este setor havia participado da farra das privatizações, especialmente na área das telecomunicações, o volume de negócios chegou aos 16 bilhões de dólares, fazendo os milhões de reais do Sr. Marcos Valério parecerem uma ninharia. Hoje a articulação Opportunity-PSDB-PFL (DEM) ganha maior comprovação com as denúncias de envolvimento do semanário Veja, Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres na preparação da situação que permitiu a gravação do vídeo do recebimento da propina nos Correios.
Em 2007, o Procurador Geral da República denuncia o chamado “mensalão tucano”, mais um elemento a confirmar o que já se sabia ser prática comum, dela se beneficiara o governador do PSDB de Minas Gerais Eduardo Azeredo para se eleger em 1998. Segundo a denúncia, ali se formou o laboratório para os atos denunciados em 2005. Documentos da Procuradoria também responsabilizam empresas (Telemig e Amazônia Celular) controladas pelo Banco Opportunity, de Daniel Dantas, no financiamento do Valerioduto. Tais denúncias levaram a condenação e prisão do banqueiro, mas o que parece ser um negócio de expropriação vultosa de recursos públicos não mereceu o destaque conferido ao chamado mensalão petista. Certamente porque aqui estão mergulhados até o pescoço setores da mídia burguesa, cúpula do PSDB e banqueiros ligados ao esquema tucano.
Com a eleição de Lula em 2002, esses grupos que promoveram a escandalosa rapinagem das privatizações se viram, de alguma forma, deslocados do centro das atuações e ameaçados por novos atores. A venda do patrimônio estatal se completara praticamente, e a disputa se acirrava.
Como, o que parece ser o ato final do caso – o julgamento dos acusados do mensalão – está distante da intrincada disputa entre as oligarquias, acirrada por uma crise estrutural e orgânica do capitalismo que aflorou em 2008 em proporções que superam a crise de 1929! Além das disputas entre os dois ministros Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, há muitos personagens fora do processo, muitas pontas que não se ligam. Por que algumas figuras da CPI do Cachoeira não aparecem no julgamento do mensalão? O julgamento ser simultâneo às eleições municipais faz dele uma peça na disputa eleitoral, e sua compreensão em termos dos reais interesses de classes pode contribuir para o fortalecimento das forças progressistas nas eleições e para o acúmulo de força da classe operária.
Se sucessivas crises reduzem os meios do capitalismo preveni-las, também as instituições vão se deteriorando, daí os escândalos de corrupção em todo o sistema. No entanto, a corrupção não é mais que um sintoma de uma anomalia sistêmica: um modo de produção que tem como lei fundamental a expropriação do trabalho, concentrando num polo cada vez mais riqueza em mãos de uma minora e no outro, a miséria crescente das massas. Para esconder esse escândalo, as oligarquias e seus aparelhos ideológicos – mídia e sistema jurídico – não podem passar da superfície, exigindo que se observe além da cena aberta.
o original pode ser lido em: http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/461/politica/o-maior-escandalo-da-historia-da-republica