Tuesday, March 19, 2013

GALEANO: GAZA


Por Eduardo Galeano, traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias


Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis.

Tudo indica que este açougue de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo o que era seu. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam a alguém em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições no ano de 2006. Algo parecido tinha ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes de Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há anos, o direito
à existência de Palestina. Já pouca Palestina resta. Passo a passo, Israel está-a apagando
do mapa.

Os colonos invadem, e depois deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu Polônia para evitar que a Polônia invadisse Alemanha.

Bush invadiu Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel abocanhou para si outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. A voracidade justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que debocha das leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não pode bombardear impunemente o País Basco para acabar com ETA, nem o governo britânico pode arrasar Irlanda para liquidar a IRA. Talvez a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou esse sinal verde provém da potência mandachuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata.

Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, da cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando exitosamente nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. A cada cem palestinos mortos,
um israelense.

Gente perigosa, adverte o outro bombardeio, a cargo dos meios de manipulação em massa, que nos convidam a achar que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a achar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional, existe?

É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos se põem quando fazem teatro?
Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial revela-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma que outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada aos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, em sangue contado e sonante, uma conta alheia.

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