Monday, March 25, 2013

Hu Jintao: década dourada ou década perdida?


por Xulio Rios, traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.

Na despedida a Hu Jintao, da tribuna da Assembléia Popular Nacional (APN), Xi Jinping elogiou o trabalho de seu predecessor. O já ex-secretário geral do PCCh, de 71 anos de idade, encerrava uma longa trajetória iniciada nos anos oitenta depois de subir cada um dos degraus do poder desde sua etapa na Liga da Juventude Comunista.

No momento de fazer um balanço, é possível dizer que sua etapa como secretário geral do PCCh (2002-2012) teve mais luzes que sombras. Os que chamam esta década de “perdida” fazem-no sobretudo desqualificando sua disposição a introduzir reformas econômicas –não tanto de outro tipo, já sejam políticas ou sociais- argumentando um retrocesso nas dinâmicas de mercado a favor do intervencionismo público. E é verdade que durante o mandato de Hu Jintao se perfilou com clareza uma aposta bem precisa a favor do controle público dos setores estratégicos da economia do país. Os principais âmbitos (transportes, finanças, comunicações, energia, etc.), o coração da economia, ficava significativamente fora do alcance do setor privado ou com uma presença nele pouco expressiva. Indubitavelmente, esta situação proveio de grandes capacidades para contornar os efeitos da crise financeira e econômica internacional. Esse modelo evitou a subalternização ao serviço de interesses pouco edificantes, sejam nacionais ou internacionais. A economia chinesa seguiu crescendo de forma espetacular em condições realmente adversas, passando a ser a segunda economia do mundo depois de gerenciar com inquestionável sucesso o ingresso na OMC.

Por outra parte, deveríamos considerar que se Xi Jinping e Li Keqiang podem desenvolver desde o primeiro momento uma ambiciosa reforma do aparelho burocrático –com implicações políticas, econômicas e sociais- como a aprovada por esta APN é porque durante o mandato de Hu Jintao se avançou na definição da rota a seguir e que agora se aplicará ao longo do presente lustro.

As sombras maiores da década de Hu Jintao não são essas. Entre elas é preciso mencionar os escassos avanços atingidos em áreas que pretendiam ser bandeiras de seu mandato, como o objetivo de uma justiça social elementar, a luta contra a corrupção ou a incapacidade para oferecer respostas inovadoras aos problemas das nacionalidades minoritárias. Os graves problemas ambientais ou as controvérsias demográficas têm posto em questão a sensibilidade governamental e sua capacidade para arbitrar respostas eficientes.

A intensificação do processo urbanizador provocou uma mudança radical. Pela primeira vez na história chinesa, a população urbana superou a rural (52,5% em 2012) ainda que 30% da população assentada nas cidades conservem o hukou do campo. São quase 300 milhões de pessoas que aguardam respostas inclusivas que não serão fáceis nem baratas (a CASS estimou em 7.000 euros o valor da inclusão da cada imigrante do campo). Os programas sociais em torno da harmonia ficaram insuficientes, dada a profundidade do abismo gerado em décadas de desenvolvimento sem justiça.

A projeção internacional da China foi grande, consumando-se nos Jogos Olímpicos de 2008 e na Expo Xangai de 2010 como grandes vitrines, mas nutrindo-se de um prolongamento de sua presença nos cinco continentes. Também na ordem da defesa, com um aumento significativo das dotações orçamentárias, que se multiplicaram por mais de seis, reforçadas com desenvolvimentos tecnológicos de crescente relevância. A combinação de expansão e incremento da presença lançaram as bases de um novo tempo diplomático que seus sucessores deverão gerenciar tratando de apaziguar os focos de tensão que se multiplicaram recentemente em seu entorno imediato.

Inclusive no político, o impulso ao debate sobre a democratização abre a esperança de uma inovação que transcenda o administrativo. Seus contornos são apenas um esboço e seus limites parecem inamovíveis, mas a consciência da necessidade de construir novas bases de legitimidade que ultrapassem o histórico ou o econômico em um contexto de despertar social crescente sugere horizontes de maior inovação.

A China de Hu Jintao, em suma, iniciou uma viragem decisiva na conformação do processo de mudança, assentando as bases de sua transformação final, clarificando os conteúdos que devem primar no novo modelo de desenvolvimento e identificando os problemas de uma agenda necessariamente mais equilibrada que exigem soluções sem dilação sob o risco de intensificar a desigualdade, os conflitos sociais e a instabilidade.

Diferentemente de Jiang Zemin, Hu Jintao mostrou escasso interesse em manter uma influência pessoal no poder mesmo que promovendo seus correligionários seja no Comitê Permanente ou no Bureau Político ou em escala provincial e sua eleição condicionará o viés da liderança a partir de 2017 e 2022. Seu grande mérito neste sentido é abrir passo a uma institucionalidade que, na ausência de grandes líderes veteranos, determine regras precisas para facilitar as mudanças no poder, evitando crises traumáticas que arruínem tanto esforço e preservando a unidade interna.

Xulio Rios é diretor do Observatório da Política Chinesa e autor de China pede passo. De Hu Jintao a Xi Jinping (Icaria editorial).

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