Sunday, June 3, 2012

[DesarticulandoIDEIAS] Bancos e multinacionais “solidárias”, a caridade laica das grandes ONGs

 

Manuel G. Ayestarán

Terça-feira 29 de maio de 2012, pela Revista Pueblos

traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.


Entidades financeiras como o Banco Santander, BBVA, Banco Popular, A Caixa, e multinacionais como Repsol, Vodafone ou Accenture são apresentadas como empresas solidárias e comprometidas contra a pobreza por diversas ONGs como Médicos sem Fronteiras, Ação Contra a Fome, Intermon Oxfam, Plan España, Save the Children, etc. É paradoxal que organizações supostamente dedicadas a lutar contra a miséria e a injustiça social limpem, ao mesmo tempo, a imagem dos agentes conservadores da ordem mundial existente na atualidade. [1]


Meios de comunicação e grandes ONGs


Nas últimas décadas, os grandes meios de comunicação têm apresentado estas organizações como os principais agentes na luta contra o mal da miséria que assola o Terceiro Mundo. Graças a este trabalho de prestígio, a ajuda de emergência e a cooperação para o desenvolvimento são conceitos que gozam de grande popularidade na sociedade ocidental contemporânea. A primeira faz referência a uma ajuda pontual em curto prazo, por parte da ONG a um coletivo numa situação crítica determinada, que em nenhum caso pretende provocar uma mudança em sua forma de subsistência ou organização, unicamente pretende “preservar a vida e aliviar o sofrimento de outros seres humanos”. [2] O segundo faz referência a uma ajuda em longo prazo que pretende melhorar as condições de vida nas comunidades onde se leva a cabo, de maneira que estas acabem sendo autossuficientes.

O termo Terceiro Mundo, cunhado pelo economista e sociólogo Alfred Sauvy, tão empregado no discurso mediático e científico ocidental, é, primeiramente, um termo pouco prático para a conscientização social, por levar associada uma conotação de distância das nações pobres em relação às ricas, tanto no sentido físico do termo como no simbólico. No entanto, as realidades de ambos lugares se encontram estreitamente interconectadas, até o ponto de que a existência e o desenvolvimento histórico das últimas têm marcado e marcam profundamente a existência e a forma de vida existente nas primeiras. [3]

Além de fomentar esta percepção de afastamento no público, outro ponto de conexão entre o establishment mediático e as ONGs é a forma como representam os países desfavorecidos e seus habitantes em suas mensagens. Estes costumam ser apresentados como lugares hostis habitados por sociedades atrasadas, vítimas de sua própria realidade política, social e natural, incapazes de subsistir de forma independente e, portanto, carentes da ajuda e do socorro das sociedades mais adiantadas, aspecto mediante o qual se justifica a constante intervenção das nações ricas em sua economia e organização política.


Ideologia


A imagem de marca gerada por este tipo de ONGs costuma caracterizar-se principalmente por seu caráter apartidário, neutro e independente. Apresentam-se a si mesmas como organizações que salvam vidas “apoliticamente”. No entanto, esta concepção de seu trabalho tem numerosas lacunas e é muito danosa em longo prazo para a eliminação da miséria e das grandes diferenças sociais na humanidade.

O caráter apolítico destas organizações vem definido pelo fato de nenhuma ter afinidade declarada com nenhuma ideologia política nem com nenhum governo, no entanto, como se mostrou previamente, sim a têm com entidades de forte perfil neoliberal que apoiam e se beneficiam das políticas que, nesta linha ideológica, forçam a impulsionar organizações internacionais como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional aos países pobres, tais como acordos de livre comércio ou medidas de legislação ambiental mais permissivas que lhes permitam reduzir os custos em suas atividades econômicas. Isto é, mantêm relação com empresas que exploram trabalhadores e saqueiam países legalmente, graças ao marco jurídico criado pelo establishment político internacional, de forte tendência direitista.

Na seção “empresas” da website de qualquer ONG pode ser visto a concepção que estas têm da empresa privada como agente de mudança social, “A empresa é o maior responsável pela geração de riqueza e postos de trabalho na Espanha […] Este novo conceito de "empresa socialmente responsável" tende a integrar em sua estratégia aspectos considerados antes marginais ou filantrópicos e racionalizar seu gerenciamento para que confluam na essência da empresa: a rentabilidade econômica como fator chave para crescer e criar riqueza” . [4]

Este ponto de vista esconde importantíssimas conotações ideológicas, já que assinala que o “novo” empresário é capaz de se regular por si mesmo e criar riqueza para toda a sociedade, ideia defendida a fundo pelo ideário econômico de direita internacional, que afeta a tantos milhões de escravos e famintos. Em troca de um donativo superior a uma determinada quantidade econômica, 1000€ no caso da Ação contra a fome [5], a ONG coloca o logotipo da empresa em sua seção de empresas “solidárias”, “comprometidas” ou “colaboradoras”, servindo assim de publicidade para estes agentes ao associá-los com causas justas (apesar de as consequências de sua atividade econômica não o serem).

“Invista em sua marca, invista na luta contra a fome” é o slogan de Ação contra a fome nesta seção de sua website, na qual a ONG assinala também as vantagens de ser uma empresa comprometida: “cria valor de marca (associa a sua empresa a valores positivos e solidários), deduz 35% de impostos, diferencia da concorrência, fideliza seus clientes e melhora as vendas” são algumas delas. O mais importante é que ajudar nunca supõe uma diminuição do lucro econômico para os empresários.

Outro exemplo extremo de aposta destas organizações pela viabilidade da sociedade de consumo capitalista são os “cartões de crédito solidários”, frutos da associação entre as ONGs e os bancos. [6] A colaboração consiste no envio à ONG por parte do banco de uma parte dos lucros que lhe aporta o cartão. Organizações como Médicos Sem Fronteiras, Intermon Oxfam, Médicos Mundi ou Ajuda em Ação lançaram em 2007 seus cartões-exponsor associados a diversos bancos e caixas de poupanças com a fotografia de um ou vários “pobres” sob suas numerações, para recordar ao consumidor o trabalho humanitário que está realizando a cada vez que compra com algum deles. [7] Desta forma, alimentar à sociedade de consumo, e inclusive comprar produtos manufaturados por trabalhadores explorados, entre eles o grande coletivo que abarca as crianças que se encontram nesta situação, convertem-se em atos de solidariedade que contribuem para melhorar o mundo.

Este tipo de iniciativas resultam danosas devido ao fato de promoverem a chamada “ética mínima da ação humanitária” (Pica Contreras. J, 2003) na qual ajudar se converte numa ação cômoda, absolutamente afastada do sacrifício e do altruísmo, onde o combate à miséria e à desigualdade social não são fins em si mesmos e sempre a manutenção do bem-estar individual aparece em primeiro lugar. [8]

Isto se traduz finalmente no fomento do conformismo e do apolitismo (que tanto beneficiam ao poder pela inatividade que implicam) nas mensagens que emitem. Informam dos índices de pobreza, mas ocultam suas causas, o que lhes permite nutrir suas campanhas publicitárias com mensagens de forte ônus emotivo, que apelem à sensibilidade do público-alvo, sem ganhar a oposição visceral de todo o establishment político, mediático e econômico mundial.

Dedicam-se, portanto, a limar os defeitos mais incômodos que o capitalismo produz em vez de denunciar os pilares nos quais se assenta este sistema e os mecanismos que empregam seus principais beneficiários para manter suas mordomias. Seu ativismo consiste no desenvolvimento de obras de caridade, cujo objetivo é melhorar a situação de coletivos e comunidades pontuais, enquanto, por outro lado, limpam a imagem de seus carrascos e justificam o sistema econômico que lhes oprime, práticas nas quais não são pioneiros, já que a “empresa líder” tem sido e segue sendo a Igreja Católica.

Notas

[1] As ONGs estudadas através da informação disponível em suas websites foram: Ação contra a Fome, ACNUR, Aldeias Infantis, Ajuda em Ação, Cruz Vermelha, Intermón Oxfam, Médicos Sem Fronteiras, Médicos Mundi, Plan España, Save The Children, UNICEF.

[2] Ver: http://www.msf.es/colabora/empresas

[3] GIDDENS, Anthony. “Sociología”. 6ª Ed. Madrid: Alianza Editorial, 2010. 1272p. 9788420684673

[4] GIDDENS, Anthony. “Sociología”. 6ª Ed. Madrid: Alianza Editorial, 2010. 1272p. 9788420684673

[5] Ver: http://www.accioncontraelhambre.org/acciones/empresas_solidarias/

[6] ARREGOCÉS CARRERE, Benyi. “Productos financieros con fines sociales. Las tarjetas y fondos de inversión solidarios como herramienta contra las desigualdades sociales”. Eroski Consumer, Mayo 2008. M. LÓPEZ MAROTO, Rosa, GARCÍA, Azucena. “Tarjetas de crédito solidarias”. Eroski Consumer, Diciembre 2007.

[7] Atualmente a UNICEF, Intermón Oxfam y Aldeias Infantis têm seu cartão solidário associado à Bankia no caso das duas primeiras, e ao Banco Popular no caso da terceira.

[8] PICAS CONTRERAS, Joan. “Las ONG y la cultura de la solidaridad: la ética mínima de la acción humanitaria”. Papers, nº71, 2003, pp. 65-76

 

o original se encontra em: http://www.revistapueblos.org/spip.php?article2424

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