Friday, June 22, 2012

"Vatileaks" revela que o Vaticano não é nada angelical

por Emilio Marin,
traduzido por
Vinicius C. para o Batalha de Ideias

O Vaticano é um estado religioso, mas nada angelical. As revelações de documentação interna, um novo livro, renúncias e detenções no círculo íntimo de Bento XVI põem-no em destaque outra vez.

Joseph Ratzinger, o ex-cardeal alemão ungido Papa Bento XVI em 2005, estaria chegando ao final de seu reinado sobre uma grei católica de 1,5 bilhão de pessoas. Não é só pela idade -85 anos-, um fator que também não o ajuda, senão pela quantidade de denúncias que estão caindo sobre ele. Não há outro modo de interpretação a não ser avaliá-las como expressão de lutas intestinas entre bispos que começam a brigar pela sucessão do idoso pontífice.

Paradoxalmente, uma das maiores satisfações do último período foi proporcionada por um país socialista, Cuba, onde esteve no final de março. Missas em Santiago de Cuba e na Praça da Revolução em Havana, permitiram-lhe orar diante de cerca de 500.000 pessoas que o escutaram com reverencial silêncio. Um afeto similar, nascido do respeito e da diplomacia, não dos acordos ideológicos, recebeu das autoridades. Fidel Castro -retirado das funções de governo- solicitou uma reunião privativa e teve palavras amistosas para com ele.

Mas fora dessa viagem e desses momentos tão favoráveis, o resto do decorrido de 2012 não tem sido positivo para o Papa. Não se pode dizer que as coisas fossem desconhecidas ou que se escancararam de improviso em maio. Desde janeiro, vinham-se conhecendo informações saídas das entranhas do Vaticano e que adiantavam situações desagradáveis para essa autoridade.

Poderia ser dito que em maio se precipitaram vários fatos batizados como "Vatileaks", parafraseando os escândalos a nível mundial desatados em 2010 com milhares de cabos secretos revelados pelo site Wikileaks. Estes danificaram severamente a reputação, por si já baixa, do Departamento de Estado norte-americano.

O primeiro escândalo estava relacionado com o Banco Vaticano, o IOR (Instituto de Ordem Religiosa), cujo presidente, Ettore Gotti Tedeschi, foi despedido por decisão unânime do diretório. Nessa cúpula, manejada pelo Vaticano, há "especialistas externos" da Alemanha, Espanha, Estados Unidos e Itália. As aspas realçam a condição de banqueiros destes diretores, possivelmente de missa diária, mas de condição moral discutível, quanto menos.

Desde setembro de 2010 a promotoria de Roma mantinha Tedeschi sob investigação por possível lavagem de dinheiro e giros duvidosos de 20 milhões de euros à JP Morgan de Frankfurt, Alemanha, e à Banca do Fucino. O outro pesquisado pela justiça é o diretor geral do IOR, Paolo Cipriani.

O IOR tem triste fama porque já em 1982 esteve envolvido com a quebra do Banco Ambrosiano, cujo presidente Roberto Calvi apareceu enforcado embaixo de uma ponte londrina. O Vaticano teve que pôr 241 milhões de dólares para compensar os prejudicados.

Depois de várias reordenações do IOR, em 2009 chegou a sua presidência Tedeschi, da Opus Dei, posto por Bento XVI para seu "saneamento". A julgar por sua demissão e a investigação judicial, as coisas ali são tão opacas como eram as negociatas de trinta anos atrás.

 

Corrupção e algo mais

 

Não são inimigos ateus da Igreja os que denunciaram a revivência da corrupção nesta nova rodada. No ano passado o secretário Geral do Governatorato da Cidade do Vaticano, Carlo María Vigani, denunciou ante o Papa a corrupção em sua administração, sobretudo em licitações arranjadas com empresários amigos. Vigani foi raleado e "promovido" a núncio nos EE UU, bem longe de Roma, virtualmente exilado.

A fins de janeiro deste ano suas duas cartas de então a Bento e ao "chanceler", secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone foram difundidas pelo canal de televisão A 7.

Bertone pode querer tirar a patente de servidor público honesto ao impulsionar a demissão de Tedeschi do IOR. Mas na imprensa italiana publicaram-se artigos assegurando que o acusado quis dar uma administração mais transparente ao banco vaticano e por isso teve colisões com aquele "chanceler". Mais ainda, asseguram que quando a justiça romana pôs o banco sob a lupa, Tedeschi decidiu informar e colaborar com a promotoria, o que levou a um maior distanciamento com Bertone.

O IOR está sob a lupa das autoridades bancárias europeias e a Comissão Europeia que em julho deverão expedir se aquele figurará ou não na lista de entidades que cumprem com as normas de transparência bancária. Como estão hoje as coisas, seria um milagre que consiga essa qualificação.

Corroborando que tinha em circulação muita e boa informação reservada ou secreta do Vaticano, em meados de maio se publicou o livro "Sua Santidade. As cartas secretas de Bento XVI", do jornalista Gianluigi Nuzzi.

No material incluía-se temas de debate do Papa com a chanceler alemã Angela Merkel e o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, o pedido do ETA de poder tramitar por intermédio do Vaticano sua proposição de desarmamento, as cartas referidas a’"os legionários de Cristo" e os casos de pederastia e negociatas do fundador dessa ordem, o mexicano Marcial Maciel.

As setas de Nuzzi acertaram na mosca. E o afetado, Bento XVI, decidiu criar uma comissão para pesquisar de onde tinha saído tanto dado interno. Ficou conformado pelo cardeal Julian Herranz (Opus Dei), o cardeal eslovaco Jozef Tomko, ex-prefeito da Congregação para a Propagação da Fé, e pelo arcebispo de Palermo, Salvatore De Giorgi.

Essa troika apontou Paolo Gabriele, mordomo do Papa, cuja casa na cidade do Vaticano foi invadida pelos gendarmes e ele mesmo preso, no dia seguinte da demissão de Tedeschi. Segundo o diretor de imprensa do Vaticano, Federico Lombardi, Gabriele foi detido porque em seu domicílio foi encontrado material abundante probatório do "furto" de informação e papéis do Pontífice. Por esse "crime" contra o Estado alguns meios disseram que lhe poderia corresponder uma pena de até 30 anos de prisão. Um pouco exagerada a punição. Pensar que na Argentina ao brigadeiro genocida Orlando R. Agosti, golpista da primeira Junta Militar de 1976, deram só 4 anos e 8 meses de prisão...

 

Uma salsa?

 

Talvez "Paoletto", o mordomo, seja culpado ou não, isso o dirá a justiça, lástima que não a civil ou comum dos italianos, senão a correspondente a muros dentro do Vaticano. Assim poderia resultar que este é juiz e parte interessada.

É difícil achar que todo esse roubo e vazamento de informações reservadas do Papa tenha sido obra de uma só pessoa. Mais bem lógico é pensar num grupo. E não parece que o motivo de sua atuação tenha sido lucro ou motivos financeiros senão outros mais bem políticos. Em linhas gerais o que fica em pior situação é o secretário de Estado, Bertone, como número 2 do Vaticano. É evidente que o próprio pontífice sai salpicado pelas revelações, mas como está chegando o final de seu papado, o mais prejudicado pelas filtrações parece ser seu atual mão direita e possível aspirante à sucessão.

Se o mordomo resulta ser uma "salsa", sua detenção e julgamento poderiam estar ocultando a luta dura pelo poder no interior do Vaticano, uma disputa que é atual e que também se livraria pensando num futuro, quando Ratzinger já não esteja entre os vivos.

Essa hipótese tem sua razão de ser e tanto com maior empenho o porta-voz de imprensa Federico Lombardi empenha-se em negá-la. "Não há nenhum cardeal, nem italiano nem de outro país, que esteja sendo pesquisado como alguns escreveram", disse Lombardi. Então deveria havê-los...

As finanças vaticanas pouco transparentes têm sido motivo de várias investigações e publicações críticas. O livro mencionado de Gianluigi Nuzzi é o segundo de sua autoria, porque já tinha publicado outro, "Vaticano Sociedade Anônima", sobre as questionadas finanças do purpurado.

Um jornalista argentino especializado em assuntos da Igreja, Washington Uranga, opinou sobre o escândalo no Página/12 ("O diabo entrou sem golpear", 29/5). Ali recorda que "em 1982, o teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos iniciadores da teologia latino-americana da libertação, publicou um livro titulado Igreja, carisma e poder". À raiz dessa opinião, Ratzinger condenou-o ao silêncio e depois Boff pendurou os hábitos.

Seu esboço não deixa bem o Vaticano: "desmoronamento que não se reduz ao questionado poder central do catolicismo, senão que se estende ao longo e na largura do mundo onde a cada dia surgem novas evidências de casos de corrupção como os ocorridos com os Legionários de Cristo, os casos de pedofilia, os escândalos sexuais, as fraudes e as cumplicidades em violações aos direitos humanos, como acaba de ratificar em nosso país".

Uranga concluiu: "a panela segue-se destapando no Vaticano... e cheira a podre". Os narizes de boa parte do mundo, católicos ou não, cheiram o mesmo.

 

o original encontra-se em:

http://www.laarena.com.ar/opinion-_vatileaks__desnuda_que_el_vaticano_no_es_nada_angelical-76265-111.html

 

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