Monday, May 16, 2016

Parceria Transatlântica (TTIP), a "OTAN econômica"

por Manlio Dinucci

O geógrafo Manlio Dinucci propõe aqui uma leitura coerente da estratégia de Washington abrangendo o TTIP, o golpe no regime ucraniano, as guerras da Líbia e da Síria, a onda de migrações da Turquia e a presença da OTAN nas fronteiras da Rússia. Este artigo é especialmente importante porque se muitos haviam compreendido pelo menos uma parte do quebra-cabeças, ninguém, até hoje, pôde explicar a reestruturação da OTAN na Europa.

Traduzido por V. Cione do site Rede Voltaire


Cidadãos, negócios locais, parlamentos, governos, Estados inteiros estão sem autoridade para tomarem suas próprias decisões econômicas, a qual está nas mãos de organismos controlados por multinacionais e grupos financeiros que violam os direitos dos trabalhadores, o equilíbrio do meio ambiente e a segurança alimentar, destruindo os serviços públicos e os bens comuns: por isso é preciso recusar o "Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento" (TTIP), negociado em segredo pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
A estas razões somam-se outras, sobre as quais não se fala praticamente nada: aquelas de caráter geopolítico e geoestratégico, que revelam um projeto bem mais amplo e ameaçador. O embaixador dos EUA ao lado do representante da UE, Anthony Gardner, insiste: "há razões geoestratégicas essenciais para firmar o acordo".
O caráter destas razões é indicado pelo Conselho Nacional de Inteligência dos EUA; o qual avalia que "como consequência da decadência do Ocidente e da ascensão da Ásia, até 2030 os Estados em desenvolvimento terão superado os Estados desenvolvidos" [1]. Por isso, Hillary Clinton define a cooperação EUA/UE como "um objetivo estratégico maior em nossa aliança transatlântica", projetando uma "OTAN econômica" integrada à OTAN política e militar.
O projeto de Washington é claro: elevar a OTAN a um nível superior, criando um bloco político, econômico e militar entre EUA e UE, sempre sob comando estadunidense, que — ao lado de Israel, das monarquias do Golfo e outros — se oporia à zona euro-asiática em ascensão, fundada sobre a cooperação entre Rússia, China, bem como os Brics, o Irã e todos os países que estejam fora do domínio do Ocidente.
O primeiro passo por realizar tem sido o desenvolvimento de uma ruptura entre a União Europeia e a Rússia. Em julho de 2013, ocorreram em Washington as negociações para o TTIP, as quais não avançaram muito devido aos interesses conflitantes entre os EUA e as principais potências europeias, com as quais a Rússia estabelece acordos comerciais vantajosos. Seis meses depois, entre janeiro e fevereiro de 2014, o golpe de estado na Praça Maïdan organizado pelos EUA e pela OTAN desencadeou uma reação em cadeia (ataques contra os russos da Ucrânia, autonomia da Crimeia e sua adesão à Federação Russa, sanções e contrassanções), recriando na Europa um clima de Guerra Fria.
Ao mesmo tempo, os países da UE encontram-se submetidos à pressão dos fluxos migratórios provocados pelas guerras dos EUA e da OTAN (na Líbia e na Síria), nas quais têm participado, e por ataques terroristas cometidos pelo Estado Islâmico (criado por estas mesmas guerras).
Numa Europa dividida por muros "de contenção" dos fluxos migratórios, na qual se difunde a histeria coletiva causada pelo estado de sítio, os EUA põem em marcha a maior operação militar desde o final da Guerra Fria, instalando nas proximidades da Rússia caças-bombardeiros e aviões de guerra com capacidade nuclear.
A OTAN sob comando estadunidense, da qual fazem parte 22 dos 28 países integrantes da UE, intensifica os exercícios militares (mais de 300 em 2015) sobretudo na frente oriental. Tudo isso favorece o projeto de Washington de criar um bloco político, econômico e militar EUA-UE. Projeto que conta com a adesão incondicional da Itália, além dos países do Leste mais alinhados aos EUA do que à União Europeia.
As grandes potências, principalmente França e Alemanha, estão ainda em processo de negociação. Entretanto, ao mesmo tempo, elas se integram cada vez mais à OTAN. O Parlamento francês adotou a 7 de abril um protocolo que autorizava a instalação em seu território de comandos e de bases da OTAN, instalação esta recusada pelo país em 1966. A Alemanha —informa a revista Der Spiegel— está disposta a enviar tropas à Lituânia para reforçar o estabelecimento da OTAN nos países bálticos na fronteira com a Rússia.
A Alemanha —sempre segundo a Der Spiegel— se prepara para instalar uma base aérea na Turquia, onde já operam os caças Tornado alemães oficialmente em funções anti-Daesh, reforçando a presença da OTAN nesta zona de fundamental importância estratégica.
A integração crescente da França e da Alemanha na OTAN, sob comando estadunidense, indica que no que se refere às diferenças de interesses (em particular sobre as custosas sanções econômicas contra a Rússia) têm prevalecido as "razões geoestratégicas" do TTIP.

[1] Global Trends 2030 : Alternative Worlds, National Intelligence Council, December 2012.

Link para a versão francesa: 
http://www.voltairenet.org/article191617.html
e para o original em italiano: 
http://ilmanifesto.info/ttip-la-nato-economica/

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