Friday, May 6, 2016

Guerras energéticas na Europa: Navios petroleiros versus Oleodutos


A volta do Batalha de Ideias!

Agora com um layout muito mais simples e de rápida visualização. Continuamos nosso trabalho de tradução e publicação de textos que contribuam com a análise da conjuntura atual, nacional e internacional.

Na edição desta semana, um artigo de Pyotr Iskenderov, do Strategic Culture, traduzido pelo Vinicus Cione,  sobre a questão energética na Europa.

Seguimos na luta! 


Guerras energéticas na Europa: Navios petroleiros versus Oleodutos
Pyotr Iskenderov

A concorrência no mercado europeu de gás entrou numa nova fase. A russa Gazprom está aumentando gradualmente os seus fornecimentos para a Europa. A empresa está à procura de novas formas de fornecer gás pelas rotas norte-sul. Os EUA, principal rival geopolítico da Rússia, apressou-se para exportar gás natural liquefeito (GNL) transportado pelo mar.
Um petroleiro estadunidense transportando GNL produzido na Louisiana chegou ao Porto de Sines, em Portugal, a 26 de abril Esta é a primeira exportação de gás dos EUA para o mercado europeu.
"É o início da guerra de preços entre o GNL estadunidense e o gás encanado", afirmou Thierry Bros, analista da Société Générale.

Os debates sobre os gasodutos russos tornaram-se um elemento de rivalidade política, escreve o Polish Biznes Alert.

Não há nenhuma razão para discordar da afirmação polonesa.

Em todas as guerras, incluindo guerras de preços, a capacidade de um dos lados beligerantes de utilizar eficazmente os recursos disponíveis não é o único fator que pode decidir o resultado. É importante construir alianças. Quais são as chances de vitória da Rússia e dos EUA nesta guerra virtual?

Moscou pode aumentar o abastecimento para a Europa no momento. É uma vantagem óbvia. A gigante russa do gás Gazprom aumentou as exportações de gás natural para a Europa e para a Turquia entre 01 de janeiro e 16 de Abril em 22,6 % comparado ao mesmo período do ano anterior, conforme anunciou o CEO da empresa Alexey Miller, no dia 18 de abril.

Segundo ele, as exportações para a Áustria aumentaram 24,7%, para o Reino Unido 162,3%, Alemanha 21,3%, Itália 16%, Países Baixos 115%, Polônia 35,7% e França 50,2%. A posição geográfica da Áustria e a disponibilidade da infraestrutura desenvolvida, incluindo a Gas Hub Baumgarten (Central European Gas Hub), destacam este país como um caso especial. A Áustria desempenha um papel fundamental no sistema energético europeu.

Em janeiro de 2016, as exportações da Gazprom para a Áustria aumentaram 76, 2% em relação ao mesmo mês do ano passado. Os fornecimentos também cresceram em 2015. As entregas de gás aumentaram 11,5 por cento em relação a 2014.

"A Rússia fornece 25% do gás da Europa", afirma Hubertus Bardt, especialista em energia do Instituto de Pesquisa Econômica de Colônia. "Nós não conseguiríamos sem a Rússia. Mas eles precisam do dinheiro europeu. Eles provaram ser um fornecedor muito confiável, mesmo nos tempos da Guerra Fria. Se não vender o gás, toda economia e segurança social russa entra em colapso", explica o especialista.

A Rússia tem outra vantagem. Ela pode construir tanto rotas de gasodutos leste-oeste, quanto norte-sul na Europa. Por exemplo, existem negociações em curso sobre a possibilidade de a Itália receber fornecimento de gás da "rede Nord 2" via Alemanha, República Tcheca e Áustria. O projeto está previsto para seguir a rota estabelecida pelo gasoduto Nord Stream e que atravessa o Mar Báltico da região de São Petersburgo (Rússia) até a costa báltica, a nordeste da Alemanha. O gasoduto vai atravessar as águas territoriais de cinco países, nomeadamente Rússia, Finlândia, Suécia, Dinamarca e Alemanha. "De qualquer forma, eles agora recebem gás a partir da Baumgarten, se ampliarmos o alcance da Baumgarten para o Norte, constituiria uma oportunidade adicional, sem excluir a direção sul. É apenas uma diversificação das rotas ", afirmou o ministro da Energia russo Alexander Novak.
O Nord Stream-2 não exclui a participação da Rússia no projeto Poseidon, uma via submarina de alta capacidade, que irá ligar os sistemas gregos e italianos de transporte de gás natural.

A Gazprom, a italiana Edison e a grega DEPA firmaram, no dia 24 de fevereiro, um Memorando de Entendimento sobre o fornecimento de gás natural através do Mar Negro russo por meio de terceiros países para a Grécia, e depois da Grécia para a Itália, a fim de estabelecer uma rota sul para enviar gás natural russo para a Europa.

Há mais uma vantagem que faz pender a balança pro lado da Rússia - a minimização dos riscos políticos e econômicos colaterais.

Mario Mehren, Presidente do Conselho de Diretores Executivos da Wintershall, disse de forma figurada que o Mar Báltico é o melhor país de trânsito. Esta afirmação baseia-se na experiência com o Nord Stream 1. Segundo ele, sua empresa assume a responsabilidade, pois acredita que o projeto Nord Stream 2 é economicamente viável. A sua implementação é muito importante para o setor energético. Em alguns países, há críticas a este respeito. Mas deve se dar prioridade para conduzir o fornecimento de gás a um preço ideal. Esta é a meta, enfatizou Mehren em seus comentários sobre o projeto de transporte do gás natural russo que liga a Rússia com a Alemanha e outros Estados-membros da União Europeia.

Além disso, há indícios de que alguns países, como a Polônia, que têm se mostrado críticos ao Nord Stream, podem mudar em breve de posição. Varsóvia está revendo em segredo sua posição sobre o Nord Stream 2. De acordo com a Wintershall, a Polônia já apresentou a sua própria solicitação para um aumento no fornecimento de gás no momento em que o Nord Stream 2 se tornar operacional.

Há outro fator importante a ser pontuado. Os europeus, especialmente empresários, são alimentados pela política antirrussa de Bruxelas. As sanções impostas a Moscou fracassaram em sua tentativa de alterar as políticas externas e internas russas. Segundo as estatísticas, o volume de negócios do comércio UE-Rússia foi reduzido em 39% durante os primeiros dez meses de 2015. As exportações da UE para a Rússia encolheram em 43%. As exportações da Alemanha decresceram 40%, a França 48%, da Itália 38% e da Finlândia 45%.

Dadas as circunstâncias, muitos europeus encaram a política de afastamento em relação à Rússia no que se refere a acordos energéticos como uma obstinação insensata de prejudicar a Europa, beneficiando os Estados Unidos em busca de mercados para vender seu gás natural liquefeito.
Hoje, o fornecimento de gás russo para a Europa não enfrenta qualquer concorrência, mas a situação pode mudar em breve com a exportação de gás natural liquefeito (GNL) pelos Estados Unidos, Qatar e Austrália ao Velho Continente.

A extração de gás de xisto tem crescido significativamente nos Estados Unidos. Este fato tem sido alardeado pela imprensa. Um navio-tanque transportando GNL enviado pela Cheniere Energy por seu terminal de exportação em Sabine Pass, Louisiana, está a caminho de Portugal. O Wall Street Journal (WSJ) informa que o evento marca o primeiro carregamento em um relacionamento comercial que poderia abalar o mercado europeu, atualmente dominado pela Rússia.

O navio-tanque chegou ao Porto de Sines em Portugal a 26 de abril. O WSJ cita Trevor Sikorski da agência de consultoria londrina Energy Aspects. Segundo ele, o impacto do gás dos EUA na Europa "será gradual, mas começa a mudar tudo". "O novo GNL imporá uma pressão depreciativa sobre os preços, e a perda em volume e em valor poderia ser um remédio muito amargo de engolir" para a Rússia, diz o especialista.

De fato, é a primeira vez em meio século que os Estados Unidos começaram a exportar gás, mas os fornecimentos norte-americanos transportados por mar não vai substituir as exportações russas num futuro próximo. E estas são as razões:

Primeiramente, é a primeira vez em décadas que os Estados Unidos transportam gás para o exterior, mas as empresas privadas vendem com base na melhor oferta - e não apenas para os países que Washington pode querer por razões geopolíticas. Estas corporações não têm como objetivo tomar o mercado europeu da Rússia a fim de privá-la de seus lucros. Em fevereiro, por exemplo, a Cheniere Energy Inc. enviou o seu navio com o primeiro carregamento de gás natural liquefeito para o Brasil. A revista Foreign Policy relata que "para as empresas, no caso do bombeamento, congelamento e exportação de gás, a questão fundamental é a economia, e não a política. As empresas estadunidenses venderão gás para os compradores dispostos a pagar mais dinheiro - e não necessariamente aonde eles conseguem avançar a agenda estratégica dos EUA ao máximo".

Em segundo lugar, as empresas norte-americanas precisam de cadeias de abastecimento para vender GNL. Elas se utilizam de intermediários em acordos comerciais. Foreign Policy escreve que "cerca de 90 por cento da capacidade de exportação do terminal de Sabine Pass já foram engolidos por empresas privadas na Grã-Bretanha, Espanha, Índia e Coreia do Sul. Empresas como a britânica BG Group provavelmente revenderão o gás a clientes em outros países, mas a maioria dos compradores provavelmente utilizará o gás norte-americano para alimentar usinas termelétricas e para o aquecimento doméstico no interior de suas fronteiras".

A Cheniere assinou contratos de longo prazo com algumas empresas de gás europeias, incluindo a BG Group, que foi adquirida no início deste ano pela Royal Dutch Shell PLC, e a espanhola Gas Natural. Todas essas empresas participarem em projetos russos de fornecimento de gás por gasodutos. Como combinado no acordo dos acionistas firmado a 04 de setembro de 2015, cogita-se que a Royal Dutch Shell PLC fará parte do consórcio internacional Nord Stream 2. É difícil imaginar que eles deixarão os EUA privá-los dos lucros.

Em terceiro lugar, a indústria de xisto estadunidense é muito suscetível a riscos geopolíticos e às flutuações dos preços internacionais do petróleo. A Chesapeake Energy Corp. recentemente penhorou "fundamentalmente todos" os seus campos de gás, edifícios de escritórios e contratos de derivativos para manter o acesso a uma linha de crédito de US$ 4 bilhões, num momento em que a exploradora de xisto enfrenta a queda dos preços de energia. Pelo acordo, a empresa transferiu como garantia aos credores - os bancos MUFG Union Bank NA e Wells Fargo Bank Securities - 90% de suas reservas comprovadas de petróleo e gás, bem como a maior parte de seus ativos no setor imobiliário, instrumentos derivativos, depósitos e títulos. No início de fevereiro, a Chesapeake contratou um advogado para registro de uma possível falência. A empresa tinha dinheiro suficiente para fazer somente um reembolso de empréstimos de US$ 500 milhões.

Em quarto lugar, a Rússia não está parada de braços cruzados diante desta situação. A Novatek está envolvida com o projeto Yamal GNL para explorar o campo de gás de South Tambey. A partir de 2017, a empresa calcula produzir 16,5 milhões de toneladas de gás natural liquefeito anualmente. Não haverá problemas com demanda de consumo no momento em que os contratos já forem assinados. A Novatek planeja construir uma segunda planta de GNL na península de Gydan, uma característica geográfica da costa da Sibéria no Mar de Kara. As monarquias do Golfo Pérsico, especialmente o Kuwait, estão entre os potenciais compradores. O Kuwait tem planos para comprar até 1,5 milhão de toneladas de gás natural liquefeito (GNL) da Rússia anualmente, como afirmou Nasser Abdullah Saleh, diretor administrativo adjunto da Kuwait Petroleum Corporation (KPC), no dia 22 de abril.

No final de 2015, a gigante russa de energia Gazprom e a Kuwait Petroleum Corporation concordaram em cooperar nas áreas de gás natural liquefeito (GNL), gases liquefeitos de hidrocarbonetos e outros projetos petroquímicos, bem como nas áreas científica, técnica e de investimento.

Em quinto lugar, a Rússia pode oferecer um negócio mas vantajoso. Nos preços atuais, o GNL estadunidense entregue à Europa custaria cerca de US$ 4,3 por milhão de unidades térmicas britânicas (MBTU), de acordo com a Argus Media, uma agência de cotações e dados de mercado sobre combustíveis. A Rússia vende o seu gás para a Europa por US$ 5,80 por MMBTU, em média. No entanto, os especialistas dizem que a Rússia poderia praticar preços profundamente mais baixos em uma eventual guerra de preços, abaixo de US$ 3 por MMBTU.

Ao contrário de seus concorrentes estadunidenses, os produtores de gás da Rússia não estão tão fortemente vinculados aos preços internacionais do petróleo. Isso lhes permite reduzir os custos do gás sem maiores prejuízos. Os preços abaixo de US$ 3 conduziriam a concorrência norte-americana à falência.


links para o original em inglês:


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