Tuesday, March 19, 2013

De Bergoglio a Francisco



por Atilio Boron,  diretor do Programa Latino-americano de Educação à Distância em CiênciasSociais (PLED), Buenos Aires, Argentina. Traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.

Pouco pode ser agregado ao muito que já se disse sobre o Papa Francisco desde sua surpreendente elevação ao trono de São Pedro. Tratarei de sintetizar esta breve nota em torno de três eixos: (a) as acusações sobre sua atuação durante a ditadura cívico-militar genocida; (b) sua política como Arcebispo de Buenos Aires e presidente da Conferência Episcopal; (c) o possível impacto de seu pontificado sobre a realidade sócio-política da América Latina.

Em relação ao primeiro ponto é indiscutível que sua conduta se enquadrou, em termos gerais, nas deploráveis linhas estabelecidas pela hierarquia católica. Não foi um monstro como Christian von Wernich, ativo participante na comissão de delitos de lesa humanidade e por isso condenado pela justiça argentina; ou um troglodita medieval como o bispo castrense Antonio Basseoto, que propôs que se pendurasse uma pedra de moinho no pescoço do Ministro da Saúde Ginés Gonzales García e que se o atirasse ao mar por ter recomendado a utilização de preservativos. Tampouco foi uma instância cristã como os casos dos monsenhores Enrique Angelelli e Carlos Horacio Ponce de León, o Pai Carlos Mugica, os sacerdotes palotinos ou as freiras francesas Léonie Duquet e Alice Domon, todos assassinados pela ditadura; ou como os monsenhores Miguel Hesayne, Jorge Novak e Jaime de Nevares, duros críticos do regime militar. O então provincial da Companhia de Jesus teve uma conduta reprovável em relação a dois de seus subordinados diretos, os sacerdotes Francisco Jalics e Orlando Virgilio Yorio, quem exerciam seu trabalho pastoral em uma vila do Bajo Flores e foram sequestrados e torturados pela ditadura diante da inação de seu superior que os privou de sua proteção. Alguns depoimentos, como o de Alicia Oliveira, recusam estas críticas assinalando sua ativa colaboração para salvar a vida dos clérigos e laicos em perigo. Mas a evidência documental -que não é o mesmo que uma opinião- aportada nestes dias por Horacio Verbitsky ao Página/12 ou o que escreveu um eminente católico como Emilio F. Mignone qualificam-no como um pastor que entregou “suas ovelhas ao inimigo sem as defender nem as resgatar”, em um caso ao menos de um neto que foi apropriado pelos repressores mantendo oculta esta informação por anos. O mais provável é que ambas atitudes sejam verdadeiras, mas os bons gestos destacados por alguns não são suficientes para contrastar a gravidade dos outros. Em um país no qual todos sabiam dos crimes perpetrados pelo terrorismo de estado não é possível alegar ignorância, muito menos um sacerdote que administrava o sacramento da confissão e em permanente contato com a maioria das pessoas. Em seu momento Bergoglio pediu perdão em nome da Igreja “por não ter feito o suficiente" para preservar os direitos humanos ante a barbárie do terrorismo de estado; deveria tê-lo pedido, em vez disso, pelo explícito apoio que a hierarquia eclesiástica deu aos genocidas e não pelo pouco que fez para combatê-los. Neutralidade ou tolerância ante o terrorismo de estado? Hum!, recordemos o que diz Dante na Divina Comédia: “o círculo mais horrendo do inferno está reservado aos que em tempos de crise moral optam pela neutralidade.”

Mas suponhamos que um exame exaustivo e imparcial aponte a absoluta inocência de Bergoglio nos anos de chumbo. Que podemos dizer de sua atuação durante a reconstituição democrática posterior à ditadura? No sentido da contra-reforma lançada por João Paulo II com o apoio e beneplácito de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, Bergoglio associou-se às tendências mais reacionárias da igreja argentina, o que não é pouco dizer. Formado no peronismo de direita, militante da Guarda de Ferro em sua juventude, durante seu gerenciamento como Cardeal Primado da Argentina se alinhou inequívoca e sistematicamente na contramão de todas as boas causas: opôs-se –sem sucesso- ao casamento igualitário; reagiu com o furioso fanatismo de Tomás de Torquemada ante a mostra do artista plástico León Ferrari, que teve que ser retirada antes de tempo; tem combatido com ferocidade tudo relacionado à educação sexual, o controle da natalidade, a descriminalização do aborto e os direitos das minorias sexuais; mantém dentro da Igreja, e assim lhes estende sua proteção, criminosos como Von Wernich, Edgardo Storni e Julio César Grassi (condenados estes dois últimos por pedofilia); atenta contra o caráter laico do estado democrático e defende com enjundia as mordomias que tem a Igreja em matéria financeira e no controle sobre o processo educacional, em aberta violação ao disposto pela Constituição de 1994. Em conclusão, um papa austero e afastado do boato do Vaticano com uma marcada preocupação pela sorte dos pobres, mas profundamente conservador. Isto é inovador? Em nada. O conservadorismo popular tem longa história, e não só na América Latina. Diferentemente de sua variante elitista e aristocratizante, os valores e interesses tradicionais que sustentam uma ordem social injusta se reforçam aproveitando da ignorância e credulidade dos grupos populares ganhados pela prédica eclesiástica. É um conservadorismo plebeu, excêntrico em suas formas, mas que presta um valioso serviço às classes dominantes, como o prova a obscena explosão de júbilo dos genocidas nos julgados quando se conheceu a designação de Bergoglio como pontífice; ou a desbordante alegria das mais diversas expressões e variados representantes da direita argentina; ou a fenomenal campanha apologética dos jornais da burguesia e do império –principalmente Clarín e La Nación, este último marcando a penosa involução moral de um jornal fundado por Bartolomé Mitre, maçom provado e confesso- ante as notícias procedentes de Roma. Com semelhantes amigos, como achar que Francisco vai imitar ao santo de Assis, cuja renúncia à riqueza e aos bens materiais foi total e absoluta? Em companhia destes ricos confrades, a “opção pelos pobres” dificilmente pode ser algo mais que um longínquo acompanhamento de seus sofrimentos e privações, mas tratando de ensinar-lhes quem é que os condena a transitar por este vale de lágrimas, padecimentos e infortúnios. Faz quase meio século que Dom Helder Câmera, bispo de Olinda e Recife explicou muito bem esta contradição: "Se dou de comer aos pobres, dizem que sou um santo. Mas se pergunto por que os pobres passam fome e estão tão mal, dizem que sou um comunista." Não basta a humildade nem a confraternização com os pobres: trata-se de lhes ensinar que a pobreza não é resultado de um desígnio divino ou de um capricho da natureza mas um produto histórico da sociedade capitalista, máquina implacável de fabricar pobreza e miséria e à qual a Igreja jamais teve a ousadia de condenar apesar de sua intrínseca malignidade. Dos ditos e dos fatos de Francisco não se depreende que isto vá ocorrer. É bom que o escravo se rebele contra seu amo, mas como dizia Lenin, a mudança só se produzirá quando aquele se rebele contra a escravatura, contra o sistema e não só contra um de seus agentes. Alentará Francisco a rebelião anticapitalista dos pobres, dado que dentro do capitalismo sua sorte está jogada? Nada em sua biografia autoriza a pensar nesse curso de ação; o mais provável será que estimule sua mansidão e eternize seu submissão. É que a “opção pelos pobres” da Igreja que surge da contra-reforma liderada por João Paulo II e que varreu com os avanços do Concilio Vaticano II não é a que propunha a Igreja de Carlos Mugica, Jaime de Nevares, Miguel Hesayne, Oscar Arnulfo Romero (Arcebispo de San Salvador), Sergio Méndez Arceo (Bispo de Cuernavaca, México), Samuel Ruiz García (Bispo de San Cristóbal, Chiapas), Pedro Casaldáliga e Dom Helder Câmera (Brasil) e Ernesto Cardeal (Nicarágua) ou, em nossos dias, os teólogos da libertação como Frei Betto, Leonardo Boff, Gustavo Gutiérres ou Jon Sobrino.

Será seu pontificado uma remake do de João Paulo II? É muito pouco provável. O Papa Wojtila foi um produto de finais dos setentas, quando o mundo era muito diferente ao de hoje. Foi o aríete que a burguesia imperial precisava para derrubar a União Soviética e os países do Leste Europeu. Mas essa estratégia foi eficaz porque aqueles regimes padeciam de um avançado estado de decomposição moral, política, econômica e social. Na realidade, João Paulo limitou-se a desencadear a investida final a um imenso edifício que já se vinha abaixo produto de suas próprias contradições. Hoje o mundo mudou muito: o imperialismo já não tem, tal como reconhecem seus próprios intelectuais orgânicos, a gravitação do passado. Os rivais são mais numerosos e diversificados, e economicamente bem mais fortes que a URSS e os países de Europa Oriental. Seus aliados, ademais, são mais débeis e vacilantes. A Igreja, por sua vez, viu-se debilitada por uma interminável sucessão de escândalos e carece da credibilidade que ganhara nos anos de João XXIII. Ademais, se quisesse lançar todo seu peso para desestabilizar os processos bolivarianos na Venezuela, Bolívia e Equador ou as experiências de transformação política em curso em outros países da região a resposta seria muito diferente a que há mais de trinta anos se verificou no Leste europeu. Aqui, trata-se de processos que contam com um enorme apoio popular que nem remotamente existia lá, e portanto o projeto das direitas latino-americanas – organizadas, orientadas e financiadas pelo império- de reutilizar o aríete eclesiástico que tão bons resultados lhe dera na Europa Oriental para acabar com os governos progressistas e de esquerda na região terminaria em um rotundo fracasso. A “revolução de veludo” da Tchecoslováquia não tem qualquer relação com a revolução bolivariana da Venezuela, Evo Morales não é Lech Valesa, e Correa não é Ceacescu. Não só os processos e a época histórica são diferentes: os enormes problemas que enfrenta hoje a Igreja (crise financeira, delitos econômicos do Banco Vaticano, alianças com mafiosos, pedofilia e seus julgamentos, o celibato sacerdotal, a incorporação da mulher ao sacerdócio e o postergado aggiornamiento reclamado por João XXIII) dificilmente permitirão que Francisco dedique demasiada atenção ao que ocorre nos países de Nossa América. É um bom administrador e terá que pôr a casa em ordem. É também um político muito hábil, e sabe que logo deverá convocar um Concilio que permita destravar velhas disputas que estão corroendo a Igreja e a isolando-a cada vez mais do mundo real. Há exatamente quinhentos anos Nicolau Maquiavel diagnosticava no Príncipe que para se salvar a Igreja precisava uma revolução. Tal coisa não ocorreu. Quatro anos mais tarde, em 1517, estourava a reforma protestante de Martinho Lutero, e a revolução ficou congelada. Agora, a revolução é muitíssimo mais urgente e necessária que antes. Se Francisco fracassa neste empenho a sorte das duas vezes milenária instituição se verá muito seriamente comprometida. Não se deve enganar com as cifras manejadas pela imprensa nestes dias: desses 1,2 bilhão de católicos em todo mundo os realmente praticantes são uma ínfima minoria, que ademais encolhe a cada dia. Pretender socavar os processos emancipatórios em curso na América Latina e Caribe seria uma perda de tempo, o passaporte para uma segura derrota e um esforço que desviaria o Papado de seu desafio fundamental. Talvez por isso Leonardo Boff confia que, apesar de seus antecedentes, Francisco se absterá de seguir o curso que a direita e o imperialismo lhe instam a seguir e elegerá em vez disso o caminho da reforma. Em poucos anos a história oferecerá seu veredicto.




GALEANO: GAZA


Por Eduardo Galeano, traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias


Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis.

Tudo indica que este açougue de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo o que era seu. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam a alguém em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições no ano de 2006. Algo parecido tinha ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes de Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há anos, o direito
à existência de Palestina. Já pouca Palestina resta. Passo a passo, Israel está-a apagando
do mapa.

Os colonos invadem, e depois deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu Polônia para evitar que a Polônia invadisse Alemanha.

Bush invadiu Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel abocanhou para si outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. A voracidade justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que debocha das leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não pode bombardear impunemente o País Basco para acabar com ETA, nem o governo britânico pode arrasar Irlanda para liquidar a IRA. Talvez a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou esse sinal verde provém da potência mandachuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata.

Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, da cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando exitosamente nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. A cada cem palestinos mortos,
um israelense.

Gente perigosa, adverte o outro bombardeio, a cargo dos meios de manipulação em massa, que nos convidam a achar que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a achar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional, existe?

É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos se põem quando fazem teatro?
Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial revela-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma que outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada aos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, em sangue contado e sonante, uma conta alheia.

Tuesday, October 9, 2012

O maior escândalo da história da República?

por Antonio Cícero Cassiano Sousa, originalmente publicado no Jornal Inverta no. 446, em 24/09/2012

O chamado escândalo do “mensalão” veio à tona com a divulgação em 2005 de um vídeo onde um funcionário dos Correios era flagrado recebendo propina de um suposto empresário interessado em licitações. Aparentemente algo corriqueiro na administração do Estado burguês. O que estava por vir, no entanto, adquiriu conotação de grave crise política que ameaçou a reeleição do então presidente Lula. A imprensa dos monopólios voltou-se para o caso com todas as suas baterias, no melhor estilo copiado do nazifascismo de uma mentira (no caso, trata-se de uma velha prática apresentada como novidade – esta é a falsificação!) repetida mil vezes se torna verdade. O operador das transações seria o publicitário Marcos Valério. Quando as denúncias chegam à cúpula do PTB, o Sr. Roberto Jeferson assume o papel de denunciante e volta-se contra a cúpula do PT, acusando-a de patrocinar um esquema de compra de votos. Nas entrelinhas, o apresentador do sensacionalista “Povo na TV” deixava entender que havia mais a denunciar, como caixa dois na campanha de FHC. Durante meses, a mídia burguesa exibiu o espetáculo, que se não inviabilizou a reeleição de Lula, foi suficiente para manter o governo na “rédea curta”.

Além de prática secular na administração do Estado pela burguesia no Brasil e no mundo, o escândalo do mensalão revela uma disputa entre as oligarquias. Com a eleição de Lula, houve o deslocamento do setor das oligarquias que representava o City Group (Citibank) e o Grupo Opportunity de Daniel Dantas (governo FHC). Este setor havia participado da farra das privatizações, especialmente na área das telecomunicações, o volume de negócios chegou aos 16 bilhões de dólares, fazendo os milhões de reais do Sr. Marcos Valério parecerem uma ninharia. Hoje a articulação Opportunity-PSDB-PFL (DEM) ganha maior comprovação com as denúncias de envolvimento do semanário Veja, Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres na preparação da situação que permitiu a gravação do vídeo do recebimento da propina nos Correios.

Em 2007, o Procurador Geral da República denuncia o chamado “mensalão tucano”, mais um elemento a confirmar o que já se sabia ser prática comum, dela se beneficiara o governador do PSDB de Minas Gerais Eduardo Azeredo para se eleger em 1998. Segundo a denúncia, ali se formou o laboratório para os atos denunciados em 2005. Documentos da Procuradoria também responsabilizam empresas (Telemig e Amazônia Celular) controladas pelo Banco Opportunity, de Daniel Dantas, no financiamento do Valerioduto. Tais denúncias levaram a condenação e prisão do banqueiro, mas o que parece ser um negócio de expropriação vultosa de recursos públicos não mereceu o destaque conferido ao chamado mensalão petista. Certamente porque aqui estão mergulhados até o pescoço setores da mídia burguesa, cúpula do PSDB e banqueiros ligados ao esquema tucano.

Com a eleição de Lula em 2002, esses grupos que promoveram a escandalosa rapinagem das privatizações se viram, de alguma forma, deslocados do centro das atuações e ameaçados por novos atores. A venda do patrimônio estatal se completara praticamente, e a disputa se acirrava.

Como, o que parece ser o ato final do caso – o julgamento dos acusados do mensalão – está distante da intrincada disputa entre as oligarquias, acirrada por uma crise estrutural e orgânica do capitalismo que aflorou em 2008 em proporções que superam a crise de 1929! Além das disputas entre os dois ministros Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, há muitos personagens fora do processo, muitas pontas que não se ligam. Por que algumas figuras da CPI do Cachoeira não aparecem no julgamento do mensalão?  O julgamento ser simultâneo às eleições municipais faz dele uma peça na disputa eleitoral, e sua compreensão em termos dos reais interesses de classes pode contribuir para o fortalecimento das forças progressistas nas eleições e para o acúmulo de força da classe operária.

Se sucessivas crises reduzem os meios do capitalismo preveni-las, também as instituições vão se deteriorando, daí os escândalos de corrupção em todo o sistema. No entanto, a corrupção não é mais que um sintoma de uma anomalia sistêmica: um modo de produção que tem como lei fundamental a expropriação do trabalho, concentrando num polo cada vez mais riqueza em mãos de uma minora e no outro, a miséria crescente das massas. Para esconder esse escândalo, as oligarquias e seus aparelhos ideológicos – mídia e sistema jurídico – não podem passar da superfície, exigindo que se observe além da cena aberta.


o original pode ser lido em: http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/461/politica/o-maior-escandalo-da-historia-da-republica

Sunday, September 16, 2012

Trinta anos do Massacre de Sabra e Shatila


traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.

Há trinta anos, em Sabra e Shatila, na periferia de Beirute, um massacre foi cometido pelas falanges maronitas contra libaneses e palestinos refugiados, sob a vigilância cúmplice de tropas israelenses.
Abaixo um trecho do livro Pobre Nação do jornalista inglês Robert Fisk que relata suas impressões do massacre:
                Foram as moscas que nos contaram. Havia milhões delas, o zumbido quase tão eloquente quanto o cheiro. Do tamanho de varejeiras, elas nos cobriram, sem saber diferenciar a princípio, os vivos dos mortos. Se parávamos, escrevendo em nossos blocos de notas, elas pousavam como um exército − legiões delas −, na superfície branca do papel, nas mãos, nos braços, nos rostos, sempre juntando-se ao redor dos olhos e da boca, movendo-se de corpo para corpo, dos muitos mortos para os poucos vivos, de cadáver para repórter, seus pequenos corpos agitando-se com excitação ao encontrar carne nova para pousar e fazer um banquete.
                Se não nos movíamos rapidamente, elas nos picavam. A maioria ficava em volta de nossas cabeças, numa nuvem cinza, esperando assumirmos a generosa imobilidade dos mortos. Eram prestativas, essas moscas, formando nosso único elo físico com as vítimas que jaziam perto de nós, lembrando-nos de que há vida na morte. Alguns se beneficiam. As moscas eram imparciais. Não importava nem um pouco que os corpos aqui fossem vítimas de assassinato em massa. As moscas teriam agido assim com os mortos insepultos de qualquer comunidade. Sem dúvida, foi desse jeito nas tardes quentes durante a Grande Praga.
                No início, não usamos a palavra massacre. Mal falamos, porque as moscas infalivelmente voariam para dentro de nossas bocas. Pusemos lenços sobre as bocas por esse motivo, depois cobrimos também os narizes, porque os insetos moviam-se sobre nossos rostos. Se o cheiro dos mortos em Sidon era nauseante, o fedor em Chatila provoca ânsias de vômito. Mesmo com os mais grossos lenços, nós sentíamos o cheiro. Após alguns minutos, nós começamos a cheirar como os mortos.
                Eles estavam por todas as partes, na rua, nas vielas, nos quintais e cômodos destruídos, embaixo de construções demolidas e sobre montes de lixo. Os assassinos − os milicianos cristãos que Israel deixara entrar nos campos para "desentocar os terroristas" − haviam acabado de partir. Em alguns casos, o sangue ainda estava molhado no solo. Quando chegamos a cem, paramos de contar os corpos. Em cada viela, havia cadáveres − mulheres, homens jovens, bebês e avós − caídos juntos em desordenada e terrível profusão, no local onde tinham sido esfaqueados ou metralhados. Cada corredor em meio aos destroços apresentava mais corpos. Os pacientes de um hospital palestino desapareceram depois que os pistoleiros ordenaram aos médicos para saírem. Em todos os cantos, encontramos sinais de covas coletivas escavadas apressadamente. Talvez mil pessoas tenham sido chacinadas; provavelmente 1.500.
                Mesmo enquanto estávamos lá, em meio às evidências de tanta selvageria, podíamos ver os israelenses nos observando. Do alto da torre a oeste − o segundo edifício na Avenue Camille Chamoun −, era possível vê-los olhando para nós com binóculos, examinando de um lado para outro as ruas cheias de cadáveres, as lentes às vezes refletindo a luz do sol enquanto vasculhavam o campo. Loren Jenkins praguejou um bocado. Eu imaginei que provavelmente era seu jeito de controlar as sensações de náusea no meio do fedor terrível. Todos nós queríamos vomitar. Nós estávamos respirando morte, inalando a putrescência dos corpos inchados em volta. Jenkins imediatamente deu-se conta de que o ministro da Defesa israelense é quem teria que arcar com alguma responsabilidade por esse horror. "Sharon!", ele gritou. "Aquele filho-da-puta do Sharon! Isso é a repetição de Deir Yassin."
                O que encontramos dentro do campo palestino de Chatila às dez da manhã de 18 de setembro de 1982 é inacreditável demais para se descrever, embora talvez fosse mais fácil recontar na prosa fria de um relatório médico. Já haviam acontecido massacres no Líbano, mas raramente nessa escala e jamais sob as vistas grossas de um exército regular e supostamente disciplinado. No pânico e ódio da batalha, dezenas de milhares foram mortos neste país. Mas essas pessoas, centenas delas, foram abatidas desarmadas. Isso era um assassinato em massa, um incidente − com que facilidade usávamos a palavra "incidente" no Líbano − que também era uma atrocidade. Ia muito além até mesmo do que os israelenses teriam chamado, em outras circunstâncias, de uma atrocidade terrorista. Era um crime de guerra.
                Jenkins, Tveit e eu ficamos tão estupefatos pelo que encontramos em Chatila que, no começo, não conseguimos registrar nosso próprio choque. Bill Foley, da AP, viera conosco. Tudo o que ele dizia enquanto andava ao redor era "Jesus Cristo!", repetidas vezes. Nós talvez tivéssemos conseguido aceitar as evidências de uns poucos assassinatos; até mesmo dezenas de corpos, mortos no calor do combate. Mas havia mulheres jogadas em casas com suas saias rasgadas até a cintura e as pernas bem abertas, crianças com as gargantas cortadas, filas de homens jovens com tiros nas costas após terem sido alinhados diante de um muro de fuzilamento. Havia bebês − bebês enegrecidos, porque tinham sido chacinados havia mais de 24 horas e seus pequenos corpos já estavam em estado de decomposição − jogados em monturos junto a latas descartadas de ração dos EUA, equipamentos médicos do exército israelense e garrafas vazias de uísque.

                Onde estavam os assassinos? Ou, para usar o vocabulário dos israelenses, onde estavam os "terroristas"? Quando fomos de carro para Chatila, vimos os israelenses no alto dos prédios residenciais na Avenue Camille Chamoun, mas eles não fizeram nenhuma tentativa de deter-nos. Na verdade, nós fomos primeiros para o campo de Bourj al-Barajneh, porque alguém nos disse que havia acontecido um massacre lá. Tudo o que vimos foi um soldado libanês perseguindo um ladrão de carro em uma rua. Só quando estávamos voltando, passando diante da entrada de Chatila, é que Jenkins decidiu parar o carro. "Não estou gostando disso", ele disse. "Onde está todo mundo? Que porra de cheiro é esse?"
                Bem na entrada sul do campo costumava haver algumas casas térreas de concreto. Eu fizera muitas entrevistas dentro desses casebres no fim dos anos 1970. Quando andamos pela entrada lamacenta de Chatila, descobrimos que essas construções tinham sido dinamitadas. Havia cartuchos de balas espalhados pela rua principal. Vi diversos cartuchos de sinalizadores israelenses, ainda presos aos seus pequenos paraquedas. Nuvens de moscas sobrevoavam os destroços, atacando com determinação as pessoas.
                Numa ruela à direita, a não mais de cinquenta metros da entrada, tinha uma pilha de cadáveres. Havia mais de uma dúzia deles, rapazes cujos braços e pernas emaranhavam-se na agonia da morte. Todos tinham recebido tiros à queima-roupa no rosto, a bala rasgando uma linha de carne até a orelha e entrando no cérebro. Alguns tinham cicatrizes pretas ou rubras no lado esquerdo das gargantas. Um fora castrado, a calça rasgada e um monte de moscas pulsando sobre o ventre exposto.
                Os olhos desses jovens estavam abertos. O mais novo teria apenas doze ou treze anos. Eles vestiam jeans e camisas coloridas, a roupa absurdamente justa sobre a carne, agora que os corpos tinham começado a inchar no calor. Eles não foram roubados. Num pulso enegrecido, um relógio suíço marcava a hora correta, o ponteiro dos segundos ainda andando inutilmente, gastando as últimas energias do seu dono morto.
                No outro lado da rua principal, numa trilha pelos escombros, encontramos os corpos de cinco mulheres e várias crianças. As mulheres eram de meia-idade e seus cadáveres estavam jogados sobre um monte de pedras. Uma estava caída de costas, a saia rasgada e a cabeça de uma menininha saindo debaixo dela. A criança tinha cabelos negros encaracolados e curtos, seus olhos nos encaravam e as sobrancelhas estavam franzidas. Ela estava morta.
                Outra menina jazia na rua como uma boneca descartada, seu vestido branco manchado com lama e poeira. Ela não devia ter mais de três anos. A parte de trás da cabeça fora destruída por uma bala disparada contra o seu cérebro. Uma das mulheres segurava um bebezinho junto ao corpo. A bala atravessara seu peito e também matara o nenê. Alguém havia cortado o ventre da mulher, horizontalmente e depois para cima, talvez tentando matar a criança não nascida. Seus olhos estavam arregalados, o rosto escurecido congelado em horror.

Thursday, August 30, 2012

Cúpula do Movimento dos Não Alinhados, Irã e Síria: um golpe de Estado contra o Ocidente?

por Mahdi Darius Nazemroaya, traduzido por Vinicius C para o Batalha de Ideias.

A próxima cúpula do Movimento dos Países Não Alinhados (MNA) será realizada em Teerã de 26 a 31 de agosto em 2012. O MNA e sua cúpula costumam ser ignorados no mundo atlantista dos Estados Unidos e da OTAN, mas o encontro deste ano chamou a atenção dos atlantistas e sua imprensa. A razão é que o local da cúpula do MNA tem perturbado o stablishment político em Washington, DC.

O governo dos EUA está muito apreensivo e chegou a repreender os líderes do MNA que se reúnem no Irã. A porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Victoria Nuland - esposa do arqui-imperialista e cofundador do neo-con Projeto do Novo Século Americano (PNAC), Robert Kagan - pediu ao novo presidente do Egito, Mohamed Morsi, e até mesmo ao Secretário-Geral da ONU Ban Ki-Moon, servo particular de Washington, a não viajar para Teerã. Nuland e o Departamento de Estado dos EUA declararam amargamente que o Irã não é merecedor de tais "presenças de alto nível". Os EUA, no entanto, são obrigados a sorrir e aguentar a reunião dos líderes mundiais em Teerã.
O que vai acontecer é uma extravagância internacional, sem a OTAN e seus principais membros de facto - Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul - na região da Ásia-Pacífico e Israel. Representantes da África, Ásia, Caribe e América Latina estarão lá com força total. Os chineses, que têm o estatuto de observadores no MNA, estarão lá. Os russos, que não fazem parte do MNA, foram convidados como convidados especiais do Irã, e serão representados por Konstantin Shuvalov, embaixador russo itinerante e enviado de Vladimir Putin. Mesmo a Turquia, sem ser membro do MNA, recebeu um convite de Teerã. Para ajudar os palestinos, ao Hamas também será dado um assento especial na mesa de acordo com um convite enviado do Irã ao primeiro-ministro palestino Ismail Haniyeh para participar na cúpula lado a lado com o fantoche estadunidense-israelense Mahmoud Abbas. Juntamente com a Federação Russa, a maior parte dos membros da Comunidade de Estados Independentes (CEI) comparecerá ou como membros plenos ou como observadores. Ao lado dos chineses e russos, os outros três membros do grupo dos BRICS – Brasil, Índia e África do Sul – que está se tornando o novo motor a moldar o mundo, também estarão presentes.

A Cúpula MNA, Irã e Síria: um golpe de Estado contra o Ocidente?

A reunião de líderes do MNA será sem dúvida um evento importante para o prestígio e o status internacional do Irã. Durante quase uma semana, Teerã será um centro-chave do mundo, ao lado dos escritórios da ONU em Nova York e Genebra. Não só o Irã será o ponto de encontro para uma das maiores reuniões de líderes mundiais como também lhe será entregue a presidência da organização pela grande potência árabe, o Egito. O Irã manterá esta posição como o líder do MNA durante os próximos anos e será capaz de falar em nome da organização internacional. Até certo grau, esta posição permitirá Teerã a ter mais influência nos assuntos mundiais. Pelo menos esta é a visão em Teerã, onde nada do significado do MNA foi perdido para os políticos e responsáveis iranianos que um depois do outro destacam a importância da cúpula do MNA para o seu país.
O MNA é a segunda maior organização internacional do mundo, depois das Nações Unidas. Com 120 membros plenos e 17 membros observadores, inclui a maior parte dos países e governos do mundo. Cerca de dois terços dos estados-membros da ONU são membros plenos do MNA. A União Africana, a Organização de Solidariedade do Povo Afro-Asiático, a Commonwealth de Nações, o Movimento Independentista Nacional Hostosiano, a Frente de Libertação Socialista Nacional Kanak, a Liga Árabe, a Organização de Cooperação Islâmica, o South Center, as Nações Unidas e o Conselho Mundial da Paz também são observadores.
Os EUA e a OTAN, que muito generosa e equivocadamente utilizam a expressão "comunidade internacional" quando se referem a si próprios, são realmente uma minoria global que se eclipsa em comparação com o agrupamento internacional formado pelo MNA. Quaisquer acordos ou consensos do MNA representam não só o grosso da comunidade internacional como também a maioria internacional não-imperialista ou aqueles países que tradicionalmente têm sido encarados como os "pobres". Ao contrário da ONU, a "maioria silenciosa" terá a sua voz ouvida com pouca alteração e perversão dos confederados da OTANstão.
A reunião do MNA em Teerã significa um evento importante. Demonstra que o Irã na verdade não está isolado internacionalmente como os Estados Unidos e as grandes potências da União Europeia, tais como o Reino Unido e a França, gostam de projetar continuamente. Os grandes meios de comunicação atlantistas estão se contorcendo para explicar esta situação e os israelenses estão claramente inquietos.
Não há dúvida de que o Irã utilizará a reunião internacional em seu benefício e aproveitará o MNA para reforçar o apoio às suas posições internacionais e para ajudar a tentar dar fim à crise na Síria. O assédio à Síria apoiado pelos EUA será denunciado na conferência do MNA e porradas diplomáticas serão dadas nos EUA e seus clientes e satélites. Já a apressada conferência ministerial acerca dos combates na Síria organizada em Teerã pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano antes da cúpula de emergência efetuada pela Organização de Cooperação Islâmica em Meca foi um prelúdio para o apoio diplomático que o Irã dará à República Árabe Síria na cúpula de 2012 do MNA.
Apesar da oposição argelina e iraniana, a Síria foi expulsa da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) a pedido da Arábia Saudita e das petro-monarquias. Ainda que a cúpula de emergência da OCI em Meca tenha sido uma bofetada política e diplomática para Damasco, espera-se que a situação seja muito diferente na cúpula do MNA em Teerã. Os sírios também estarão presentes em Teerã e aptos a enfrentar seus antagonistas árabes das petro-monarquias do Golfo Pérsico.

A gênese do Movimento dos Não Alinhados e do Terceiro Mundo

O Movimento dos Países Não Alinhados e conceito de "Terceiro Mundo" tem suas raízes no período de descolonização depois da Segunda Guerra Mundial, quando os impérios da Europa Ocidental começaram a desintegrar-se e encerrar formalmente. Isto só representou um fim superficial à dominação dos mais fracos pelos mais fortes. Na realidade, o colonialismo foi apenas substituído por “ajuda externa” e empréstimos pelos impérios em declínio. Neste contexto, os britânicos poderiam oferecer ajuda às suas antigas colônias, enquanto os franceses e holandeses fariam o mesmo com suas ex-colônias para manter o controle sobre elas. Desta forma, a exploração nunca terminou de fato e o mundo foi mantido num estado de desequilíbrio. As Nações Unidas também foram reféns das grandes potências e ignorou muitas questões importantes sobre lugares como a África e a América Latina.
O que levou à formação do MNA foi primeiramente uma rejeição à dominação e interferência dos países do "Norte global" - um termo que será definido em breve – e o conceito de coexistência que a Índia e a China forjaram em 1954, quando Nova Deli reconheceu o Tibete como parte da China.
O MNA começou como uma iniciativa asiática, que procurou abordar as tensas relações entre a China e os EUA de um lado e as relações da China com outras potências asiáticas, por outro lado. Os novos estados independentes da Ásia queriam evitar qualquer elevação do tom da Guerra Fria em seu continente, especialmente depois da desastrosa intervenção militar estadunidense na Coreia ou a manipulação da Índia e da Indonésia como estados-tampão contra a República Popular da China. A iniciativa asiática foi rapidamente ampliada e ganhou o apoio da República Federal Socialista da Iugoslávia, Egito e dos vários líderes dos movimentos nacionalistas de independência na África, que lutavam por sua libertação contra os países da OTAN como a Grã-Bretanha, França e Portugal.
O presidente iugoslavo Josip Broz Tito, o primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru e o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser foram as três principais forças por trás da criação da organização. Kwame Nkrumah, líder pan-africano marxista de Gana e Ahmed Sukarno, o líder da Indonésia, também poriam força no MNA e se juntariam a Tito, Nehru e Nasser. Esses líderes e seus países não viam a Guerra Fria como uma luta ideológica. Isso foi uma cortina de fumaça. Para suas perspectivas, a Guerra Fria era uma disputa de poderes e a ideologia foi meramente usada como justificativa.

 Os diferentes mundos da Guerra Fria

A palavra "não-alinhamento" foi usada pela primeira vez no cenário mundial por Vengalil Krishnan Krishna Menon, embaixador da Índia na ONU, enquanto o termo "Terceiro Mundo" foi usado, pela primeira vez, pelo estudioso francês Alfred Sauvy. Terceiro Mundo é um termo muito debatido na política e alguns acham que é desregulatório e etnocêntrico. Para o ponto de confusão, a categoria Terceiro Mundo está inextricavelmente interligada com o conceito de não-alinhamento e do MNA.
Tanto o MNA e, especialmente, o Terceiro Mundo são mal e descuidadamente usados ​​como sinônimos para os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos ou como indicadores econômicos. Os países mais carentes do Terceiro Mundo eram ex-colônias ou estados menos abastados em lugares como África e América Latina que foram vítimas do imperialismo e da exploração. Isto levou à identificação geral, ou o erro de identificação, do MNA e de países do Terceiro Mundo com os conceitos de pobreza. Isso é errado e não representa o que qualquer um dos termos significa.
Terceiro Mundo era um conceito que se desenvolveu durante o período da Guerra Fria para distinguir os países que não faziam parte formalmente do Primeiro Mundo, que foi formado pelo Bloco Ocidental, e o Bloco do Leste / Soviético e do mundo comunista que formou o chamado Segundo Mundo. Em teoria, a maioria desses terceiromundistas eram neutros e juntar-se ao MNA era uma expressão formal dessa posição de não-alinhamento.
Além de serem considerados segundomundistas, os estados comunistas como a República Popular da China e de Cuba têm sido amplamente classificados como partes do Terceiro Mundo e considerou-se-os como partes da terceira força global. A perspectiva do presidente Mao, definida através de seu conceito de Três Mundos, também apoiou a classificação dos Estados comunistas como Angola, China, Cuba e Moçambique como terceiromundistas, porque não pertenciam ao bloco soviético como a Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria e Polônia.
Nas interpretações mais ortodoxas sobre o significado político do Terceiro Mundo, o Estado comunista da Iugoslávia era uma parte do Terceiro Mundo. No mesmo contexto, o Irã, devido aos seus laços com a OTAN e sua participação na Organização do Tratado Central (CENTO), controlada pelos EUA, era politicamente uma parte do Primeiro Mundo até a Revolução Iraniana, em 1979. Assim, a referência à Iugoslávia como um país de Segundo Mundo e ao Irã como um país de Terceiro Mundo antes de 1979 está incorreta.
O termo Terceiro Mundo também deu origem à categoria de "Sul Global". Este nome é baseado na situação geográfica do Terceiro Mundo ao sul do mapa como oposição à situação geográfica ao norte do Primeiro e do Segundo Mundos, ambos começaram a ser coletivamente chamados de "Norte global". Os conceitos Norte e Sul passaram a substituir lentamente os termos Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo, especialmente no fim da Guerra Fria e a partir da queda da União Soviética.

Bandung, Belgrado e a formação dos Não-Alinhados

O MNA foi estruturado quando os terceiromundistas que estavam entre os atlantistas e os soviéticos durante a Guerra Fria tentaram formalizar a sua terceira via ou força. O MNA nasceu depois da Conferência de Bandung, em 1955, o que enfureceu os EUA e o Bloco Ocidental que o viam como um entrave aos seus interesses globais.
Contrariamente às opiniões do Bloco Ocidental, a União Soviética era muito mais predisposta a aceitar o MNA. O premiê soviético Nikita Khrushchev, em 1960, chegou a propor que a ONU fosse gerida por uma "troika" composta pelo Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos em vez de seu secretariado-geral influenciado pelo Ocidente na cidade de Nova York, que foi conivente com os EUA na remoção do primeiro-ministro Patrice Lumumba do poder na República Democrática do Congo, assim como outros líderes mundiais independentes.
Fidel Castro em Cuba, sede da cúpula do MNA em 1979, quando o Irã aderiu como octagésimo-oitavo membro, argumentou que o Segundo Mundo e os movimentos comunistas eram os "aliados naturais" do Terceiro Mundo e do MNA. As atitudes favoráveis ​​de Nasser e Nehru para com a União Soviética e o apoio do bloco soviético a vários movimentos de libertação nacional também dão credibilidade para a colocação de Cuba sobre a aliança entre Segundo e Terceiro Mundos contra a exploração capitalista e as políticas imperialistas do Primeiro Mundo.
A primeira cúpula do MNA seria realizada na capital iugoslava de Belgrado, em 1961, sob a presidência do Marechal Tito. A cúpula em Belgrado pediria o fim de todos os impérios e da colonização. Tito, Nehru, Nasser, Nkrumah, Sukarno e outros líderes do MNA exigiriam o fim da dominação colonial dos europeus ocidentais na África e deixassem os povos africanos decidirem seus próprios destinos.
A conferência preparatória também foi realizada alguns meses antes, no Cairo, por Gamal Abdel Nasser. Nas reuniões preparatórias, o não-alinhamento foi definido por cinco pontos:
(1) Os países não alinhados devem seguir uma política independente de coexistência de nações com variados sistemas políticos e sociais;
(2) os países não alinhados devem ser consistentes no seu apoio à independência nacional;
(3) os países não alinhados não devem pertencer a uma aliança multilateral feita num contexto político das superpotências ou dos grandes países;
(4) Se os países não alinhados têm um acordo bilateral com grandes potências ou pertencem a um pacto de defesa regional, estes acordos não deverem ser concluídos no contexto da Guerra Fria;
(5) Se os Estados não alinhados cederem bases militares para uma grande potência, estas bases não devem ser concedidas no contexto da Guerra Fria.
Todas as conferências do MNA nos anos seguintes abrangeriam questões vitais, como a inclusão da República Popular da China na ONU, os combates na República Democrática do Congo, as guerras africanas de independência contra a países da Europa Ocidental, a oposição à apartheid e ao racismo e o desarmamento nuclear. Além disso, o MNA foi tradicionalmente hostil ao sionismo e condenou a ocupação dos territórios palestinos, libaneses, sírios e egípcios por Israel, o que lhe rendeu a aguerrida e interminável aversão de Tel Aviv.

Tornando o MNA relevante novamente

Muitos perguntam qual a relevância do Movimento dos Não Alinhados hoje. Desde o fim da Guerra Fria, a força do MNA tem sido corroída enquanto os EUA, as reformas econômicas neoliberais, o FMI e o Banco Mundial têm ganhado cada vez mais controle sobre os membros do MNA. Em muitos casos, os membros do MNA voltaram para a condição de colônias de facto em todos os aspectos, exceto o nome. Muitos membros do MNA, como Belarus, Colômbia, Etiópia e Arábia Saudita, são na verdade estados alinhados.
Não há dúvidas de que o Irã quer tornar o MNA novamente relevante para usá-lo para combater a ordem atlantista em expansão. Bem como os russos e os chineses. O MNA afinal deu um importante apoio diplomático ao Irã na politizada disputa nuclear com os atlantistas. O MNA é também a alternativa mais próxima à pró-atlantista e interessada Nações Unidas.
A cúpula do MNA será aproveitada pelo Irã e seus aliados para tentar desenvolver algum tipo de estratégia para lutar e contornar as sanções unilaterais dos EUA e da União Europeia contra a economia iraniana e para mostrar aos atlantistas nos EUA e na UE que seus poderes no mundo são limitados e estão em declínio. Um pequeno passo nessa direção está no fato de o Irã começar as negociações com 60 países do MNA para derrubar os requisitos bilaterais de visto com o Irã. Uma declaração universal também pode ser liberada pedindo que as sanções anti-iranianas sejam suprimidas ou alteradas. Outras medidas incluem propostas para uma estrutura financeira global nova e alternativa, que neutralizaria o domínio atlantista sobre as transações financeiras internacionais.
Um acontecimento importante na cúpula do MNA será a chegada de Morsi a Teerã, como um sinal do aquecimento das relações. Os laços entre Cairo e Teerã não serão restaurados da noite para o dia, porque há restrições sobre Morsi. Aconteça o que acontecer entre o Egito e o Irã na cúpula do MNA em Teerã será os passos iniciais de um lento processo. Os egípcios estão se esforçando para não contrariar seus patrões ocidentais e árabes e os iranianos optaram por serem pacientes. A presença de Morsi no Irã, no entanto, ainda é simbolicamente muito importante. Teerã de fato tem motivos para estar muito otimista quanto todas as suas estrelas estão se alinhando na gala do MNA.
Os círculos diplomáticos estão olhando para o Egito, na véspera da cúpula do MNA. Antes, foi anunciado que Morsi iria para o Irã, era esperado que o vice-presidente egípcio Mahmoud Mekki representasse o Egito na cúpula do MNA como uma demonstração do estranhamento entre Egito e Irã.
A relação do Cairo com Teerã e que se desenvolve a partir da viagem de Morsi ao Irã é o que todos os xecados, Israel e os EUA estão observando cuidadosamente.
Alguns analistas estão afirmando que a postura do Egito poderia "consolidar ou quebrar" o projeto de isolamento do Irã, especialmente em termos sectários envolvendo uma divisão xiita-sunita. Isto é, na verdade, uma mentira, porque não há nada de especialmente significativo que o Egito possa fazer para quebrar ou isolar o Irã. Afinal, Cairo e Teerã essencialmente não têm vínculos desde 1980 e Mubarak foi um aliado incondicional dos EUA que colocou o Egito para trabalhar com a Arábia Saudita e Israel para minar a influência iraniana.
No pior cenário, a relação entre os dois países vai ficar como foi durante a era Mubarak. Esta não é uma situação de perda para o Irã, ainda que a situação na Síria tenha catalisado o desejo iraniano para uma aproximação mais veloz. As relações egípcio-iranianas não têm para onde ir a não ser para cima.
Os protestos na Praça Tahrir (Libertação) que destronaram Mubarak e ajudaram na realização das eleições que levaram a Irmandade Muçulmana egípcia ao poder são parte do que os funcionários iranianos chamam de "despertar islâmico" em contraste a uma "Primavera Árabe." O Irã não escondeu sua crença de que o Egito quer e pode, eventualmente, formar um novo eixo regional depois de o ditador vitalício Mubarak ter sido expulso do poder. Se existe um homem que pode dar o salto a partir da concepção de uma primavera árabe a um despertar islâmico, pelo menos publicamente, é o presidente Morsi por meio de uma aliança com o Irã.
A 8 de agosto, o Irã enviou Hamid Baqaei para entregar o convite de participação da cúpula do MNA em Teerã para Morsi. Ao longo do caminho, a imprensa internacional e especialistas aumentaram a classificação governamental de Baqaei, por não terem percebido ou mencionado que ele era o mais antigo dos 11 juniores ou assistentes de vice-presidentes e, essencialmente, o ministro responsável pelos assuntos executivos da presidência iraniana.
O primeiro vice-presidente Mohammed Reza Rahimi-, ex-governador da província iraniana do Curdistão e ele próprio um ex-vice-presidente júnior, é o vice-presidente sênior do Irã. Independentemente disso, a visita de Baqaei ao Cairo como um enviado presidencial e assessor presidencial próximo foi importante. O Irã poderia ter entregue a carta-convite para o Egito pela sua seção de interesse na Embaixada da Suíça ou outros canais diplomáticos, mas fez um gesto significativo enviando Baqaei diretamente para o Egito. O movimento deixou todos os países que conspiram contra o Irã e a Síria muito receosos. Para esses países, a confraternização do MNA em Teerã vai se concentrar no Egito, Irã e Síria.

Os movimentos da Arábia Saudita, Catar e do FMI no Egito estão ligados à Cúpula do MNA em Teerã?

Tanto a Arábia Saudita quanto o Qatar ofereceram ao Egito uma ajuda financeira antes das visitas de Morsi a Pequim, onde ele é esperado para pedir uma ajuda ao país. Além da ajuda saudita e catariana poder ser utilizada para moldar a forma como a Irmandade Muçulmana egípcia interage com o Irã, as ofertas de ajuda dos petro-déspotas de Doha e Riad são parte da competição árabe sobre influência no Cairo.
Morsi é amplamente visto como um homem do Qatar e as relações entre Riad e Cairo não têm sido fáceis há algum tempo. A embaixada saudita no Cairo chegou a ser temporariamente fechada depois da irrupção dos protestos egípcios contra a Arábia Saudita. Mais importante, a Casa de Saud opôs-se a Morsi em apoio ao capanga de longa data de Mubarak, Ahmed Shafik, durante as eleições presidenciais egípcias. Além disso, a Casa de Saud tem apoiado os seus próprios clientes políticos dentro do Egito contra a Irmandade Muçulmana. Os clientes egípcios da Casa de Saud, o Partido Nour e sua coalizão parlamentar chamada Aliança para o Egito (Bloco islâmico), estão em segundo lugar, atrás da coalizão parlamentar da Irmandade Muçulmana, a Aliança Democrática.
Apesar de Doha e Riad servirem os interesses dos EUA, os dois xecados têm uma rivalidade um com o outro. Esta rivalidade Catar-Arábia Saudita acendeu-se novamente depois de uma breve pausa, na qual os dois lados invadiram a ilha-reino do Bahrein para apoiar o regime de Al Khalifa e trabalharam juntos contra os governos da Líbia e da Síria.
A rivalidade entre Saud e Al-Thani viu os dois lados apoiarem os diversos grupos armados na Líbia e combaterem as forças antigovernamentais durante a chamada Primavera Árabe (ou Despertar islâmico de acordo com Teerã). As eleições no Egito, onde Doha e Riad apoiaram lados diferentes, só adicionou combustível para o fogo do Qatar e da Arábia Saudita.
O emir do Qatar, Hamad bin Khalifa Al-Thani, fez questão de apoiar a Irmandade Muçulmana quase a qualquer momento como um meio de expandir a influência do Qatar. Poucos dias depois da derrubada de Mubarak, a Al Jazeera do Qatar mostrou grande clarividência quando lançou a Al Jazeera Mubasher Misr, um canal de notícias dedicado exclusivamente ao Egito. O Qatar e sua mídia colocaram peso na Irmandade Muçulmana egípcia, enquanto a Arábia Saudita e seus meios de comunicação não o fizeram.
Este também foi o motivo pelo qual a imprensa controlada pelos sauditas, como a Al Arabiya, continuou a elevar as críticas contra o presidente Morsi, mesmo depois das eleições no Egito. Para aliviar as tensões da Casa de Saud com o Egipto, Morsi fez sua primeira viagem internacional como presidente para a Arábia Saudita.
Além da cobertura de notícias favorável, acredita-se amplamente que o Qatar ajudou a financiar a Irmandade Muçulmana no Egito durante as eleições. Além disso, os investimentos do Qatar no Egito aumentaram 74%, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central do Egito em julho de 2012. A 11 de agosto, Emir Al-Thani, e uma delegação do Catar também viajaram para o Egito para uma visita de um dia com Morsi. No dia seguinte, a 12 de agosto, Morsi educadamente demitiu ou "aposentou" o marechal de campo Tantawi, o chefe das Forças Armadas egípcias, e Sami Anan, o chefe do gabinete das Forças Armadas egípcias e o número dois de Tantawi. Depois da visita de Al-Thani, começaram a circular rumores também no Egito de que a Irmandade Muçulmana estava planejando arrendar o Canal de Suez para Emir Al-Thani, o que foi negado por Morsi e sua equipe presidencial.
Um resultado da visita de Emir Al-Thani ao Egito foi a do anúncio de que o Qatar deu ao Cairo dois bilhões de dólares (EUA). Na realidade, o Qatar só deu ao Egito 500 milhões de dólares (EUA) e disse que o restante será dado em parcelas, que se iniciarão depois da cúpula do MNA em Teerã. O cronograma de pagamento diz alguma coisa?
O momento em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) visitou o Cairo para negociar um empréstimo, na véspera da cúpula do MNA em Teerã, também é suspeito. Depois de um ano de incerteza e de mendicidade, o Qatar e o FMI abriram seus bolsos para os egípcios (embora o Qatar tenha enviado algum dinheiro antes). O governo do Conselho Líbio de Transição chegou a oferecer um empréstimo financeiro, mesmo quando seus próprios cofres estão em desordem, como resultado da guerra da OTAN contra a Líbia e do assalto à tesouraria líbia e de seus ativos pelos atlantistas com a ajuda do economista neoliberal estadunidense tornado o "ministro do petróleo e das finanças" da Líbia, Ali Tarhouni. Quanto à Casa de Saud, entende-se que seus termos para uma ajuda financeira ao Egito incluem a continuidade das políticas anti-iranianas no Cairo.

Todos estarão observando Morsi em Teerã

As leituras sobre Morsi e a Irmandade Muçulmana, que governam sob o domínio do Partido da Liberdade e Justiça, variam. Por um lado, o governo egípcio manteve o fechamento das fronteiras para os palestinos na Faixa de Gaza. Ele também se comprometeu a honrar seus tratados internacionais, uma referência astuta a seu tratado de paz com Israel, que procura evitar mencionar Israel e prevenir um escândalo na imprensa. Por outro lado, Morsi fez gestos positivos a Teerã na cúpula emergencial da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) em Meca, sobre a formação de um grupo de contato Ankara-Cairo-Riyadh-Teerã para discutir a crise na Síria e disse que quer introduzir emendas no tratado de paz egípcio com Israel.
Como a maioria dos políticos, Morsi tem aguado suas promessas eleitorais. Ele teve que andar numa linha tênue cercado por inimigos e competidores, enquanto trabalha lentamente para o acúmulo de poder. Quando ele foi eleito, houve um atraso no anúncio dos resultados da eleição egípcia. O marechal de campo Tantawi e a junta militar egípcia tiveram tempo para se decidirem se queriam manter Morsi como presidente ou impor uma nova rodada de lei marcial, enquanto estabelecessem à força o general próximo Ahmed Shafik como presidente civil do país.
Morsi está em desacordo com os comandantes militares do Egito, que são aliados de longa data de Israel e dos EUA, bem como aliados da Casa de Saud. Além de retirar os dois membros mais importantes da junta militar egípcia, Morsi também reverteu decisões militares egípcias para subordinar a presidência e emendar a Constituição do Egito pós-Mubarak. Este jogo de poder tem sido amplamente descrito como um contragolpe preventivo contra a junta militar egípcia. Doha pode ter apoiado a iniciativa para se certificar de que o seu cavalo de corrida, a Irmandade Muçulmana, se mantenha no poder, em oposição aos cavalos sauditas dos militares egípcios e do Partido Nour. Se o contragolpe foi um movimento feito no contexto das rivalidades Arábia Saudita-Qatar ou estritamente um esforço de Morsi e da Irmandade Muçulmana para conseguir uma liberdade política é a questão saudi-catariana de dez milhões de dólares.

Mudança política para o Oriente no Cairo?

Onde a política externa de Morsi irá depois da conferência do MNA em Teerã é outra questão importante. A partir de reuniões do MNA, será definido para onde ele vai. O medo da aproximação entre o Irã e o Egito certamente mantém um grande número de pessoas despertas à noite em Riad, Tel Aviv, Londres e Washington DC. Todo mundo está esperando para ver o que o Cairo e Teerã vão fazer e, para muitos, as expectativas de aproximação são elevadas, mas as alavancas e restrições que existem sobre Morsi não devem ser esquecidas.
Embora haja muito menos alarde e atenção à viagem de Morsi à China, o que ele fará lá também será muito importante. Já há quem diga que ele planeja deslocar lentamente a política externa do Cairo, longe do campo atlantista, com Washington como sua capital, em direção ao campo Euro-asiático que inclui China e Irã. Certamente, a ajuda externa chinesa vai reduzir a dependência do Egito sobre os atlantistas árabes e os petro-monarcas parceiros. Estamos lidando aqui com uma intrincada teia de múltiplas relações entre os diferentes grupos que interagem uns com os outros de maneiras diferentes e por relações dinâmicas.

Adendo - 25 de agosto de 2012

O não-eleito presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, ameaçou boicotar a cúpula do MNA depois que a mídia iraniana e o Hamas anunciaram que o primeiro-ministro Haniyeh, representante democraticamente eleito dos palestinos, estava indo participar da cúpula do MNA. Depois, o Ministério do Exterior iraniano divulgou um comunicado esclarecendo que Haniyeh nunca foi convidado para Teerã.

Thursday, August 23, 2012

Egito ignora os Estados Unidos



por M. K. Bhadrakumar*, traduzido por Vinicius C. para o Batalha de Ideias.


A decepção deve estar dominando em Washington. O Egito afasta-se da aliança com os EE.UU. e a amarga verdade já não se pode ocultar ou dissimular.

Washington não esperava que o “lado correto da história” se desenvolvesse desta maneira. A Primavera Árabe gerou um fruto estranho no Egito, uma pura raça, não como os híbridos da Tunísia, Líbia ou Iêmen.

Deve-se considerar o seguinte: o presidente Barack Obama foi um dos primeiros chefes de Estado que felicitou Mohammed Morsi por sua vitória eleitoral em maio. Obama rompeu o protocolo e chamou-o para cumprimentá-lo mostrando a ansiedade de Washington de desenvolver uma esplêndida relação com ele.

Em seguida, Obama escreveu uma carta a Morsi e enviou ao secretário adjunto de Estado, Williams Burns, ao Cairo para entregá-la pessoalmente. Depois de Burns, a secretária de Estado Hillary Clinton foi ao Cairo de novo para uma audiência com Morsi. Então, ocorreu a visita ao Cairo do secretário da Defesa Leon Panetta. Tudo isto no primeiro mês da presidência de Morsi.

Panetta voltou a Washington muito satisfeito porque os dirigentes militares egípcios, que têm sido os protagonistas na estratégia regional dos EE.UU. e os defensores dos interesses estadunidenses no Egito, não só se relacionavam bem com Morsi como inclusive tinham uma agenda comum.

O resto já é parte da história. Dias ou semanas depois do otimismo de Panetta, Morsi mandou sem mais os militares, dos corredores do poder político, de volta a seus quartéis. Washington não teve outra alternativa a não ser pôr boa cara ante esta situação e quase difundiu o embuste de que Morsi consultou ao governo de Obama antes de tomar medidas em relação aos militares egípcios.

No entanto, a verdade saiu à luz no final de semana. Os EE.UU. podem estar enfrentando um imenso revés em seus esforços para influenciar a presidência de Morsi. A carta que Burns levou há um mês continha aparentemente um convite de Obama para que Morsi visitasse Washington.

Em lugar de fazê-lo, Morsi viajará a China e ao Irã.

Anunciou-se no domingo no site oficial do presidente egípcio. Ao que parece, Morsi combinará as visitas a China e ao Irã. Parece que realizará uma visita de três dias à Chine na próxima segunda-feira por convite do presidente Hu Jintao e de Pequim tem a intenção de viajar a Teerã na quinta-feira para assistir à Cúpula do Movimento dos Não Alinhados.

Pequim ainda não anunciou a visita de Morsi. O jornal de propriedade governamental China Daily publicou um comentário na segunda-feira intitulado “A visita de Morsi ao Irã poderia remodelar a paisagem política”, que intencionadamente evitou toda sugestão de que o itinerário do presidente também incluiria Pequim.

No entanto, o emblemático jornal egípcio Al-Ahram informou que Morsi e Hu “têm a intenção de discutir temas cruciais enfrentados pelo mundo árabe, como a situação síria e o problema palestino. Os dois presidentes também discutirão maneiras de realçar o intercâmbio comercial entre seus respectivos países além do aumento do investimento chinês em Egito”.

Al-Ahram resumiu: “As duas visitas podem marcar mudanças na política exterior do Egito, considerando que ambos países [China e Irão] têm tensas relações com os EE.UU., do qual Egito tem sido um aliado leal, especialmente durante o regime do presidente derrubado Hosni Mubarak”.

Cão fraldiqueiro de ninguém

Decerto, o Oriente Médio dá-se conta do fato de que os estadunidenses não são bem vistos no Cairo. Sem dúvida, esta decisão leva a marca da Irmandade Muçulmana. O que se propõe?

Primeiro, os Irmãos Muçulmanos sabem que isto será muito bem recebido pelo clima público do Egito, que demanda veementemente uma nova orientação da política exterior que se desfaça do peso morto da cooperação com os EE.UU. e Israel da era Mubarak e volte à política exterior independente do país.

Segundo, Morsi não quer depender demasiadamente da “assistência” do Fundo Monetário Internacional e/ou dos abastados Estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que se vê pressionado a aceitar apesar de vir associada a condições políticas.

O Fundo Monetário Internacional dita termos duros para um empréstimo de 3,2 bilhões de dólares para o Egito. O Banco Islâmico de Desenvolvimento, com sede em Jeddah, aceitou outorgar financiamento ao Egito por 2,5 bilhões de dólares. O Catar depositará dois bilhões no Banco Central do Egito a fim de aliviar a escassez de divisas estrangeiras no Egito. No ano passado, a Arábia Saudita anunciou a ajuda ao Egito por quatro bilhões de dólares em “empréstimos com juros reduzidos, depósitos e subvenções”. Tratava-se de uma intensa luta dirigida pelos EE.UU. para sobornar a alma de Egito.

É possível que Morsi veja a China como uma potencial investidora na economia egípcia porque Pequim não fixa condições à cooperação econômica e atua geralmente segundo as regras do mercado, ajustadas às políticas neoliberais que em geral serão adotadas por Morsi. O importante é que os Irmãos sabem perfeitamente que os países do CCG –Bahrain, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita – mas especialmente a Arábia Saudita, veem-nos com desagrado e inquietude, como um perigo existencial para seus regimes autoritários. A Arábia Saudita, em particular, teve uma relação problemática com a Irmandade.

O defunto príncipe herdeiro Nayef utilizou métodos brutais para reprimir as atividades da Irmandade na Arábia Saudita. O jornal do establishment saudita Asharq Al-Awasat demonstrou sua antipatia a Morsi no sábado, quando num artigo assinado, o veterano editor do jornal, Osman Mirghani, escreveu:

O golpe que Morsi deu [nos militares], que lhe permitiu tomar o poder, foi completamente imprevisto, não só para os dirigentes do CSFA [Conselho Supremo das Forças Armadas] como também para o povo egípcio em seu conjunto… Essas decisões foram semelhantes a um golpe de Estado… A Irmandade tratou de dominar a arena política desde que sequestrou a revolução e aproveitou a onda revolucionária para chegar ao governo, apesar do fato de que se uniu bem tarde a essa revolução… A Irmandade debilitou a todos os demais partidos e por isso se negou deliberadamente a cooperar ou se coordenar com eles no período de transição prévio às eleições.

O Egito está governado agora por declarações e decisões “constitucionais” emitidas por um presidente que tem muito mais poder do que teve algum dia Mubarak… Se alguém disser de Morsi… que se libertou, e à presidência, da custodia e da intervenção do exército, terá que formular a pergunta: será seguido pela libertação de Morsi da Irmandade, que parece estar presente a todas suas decisões e medidas?

Deve-se atentar que esta forte crítica apareceu um mês depois da visita de Morsi a Riad por convite do rei Abdullah e dois dias antes da cúpula extraordinária da Organização da Conferência Islâmica (OCI) em Jeddah, na qual participou Morsi.

Disse-se que enquanto se dirigia à cúpula da OCI Morsi chamou à “mudança de regime” na Síria, implicando que o Egito é um dócil seguidor da linha fixada pela Arábia Saudita, Catar e Turquia. Mas, na realidade, Morsi desconsiderou a troika ao propor uma solução à crise síria mediante a formação de um Grupo de Contato formado por Arábia Saudita, Turquia, Irã e Egito, que poderia mediar um diálogo e a reconciliação síria conducente a uma transição política pacífica numa atmosfera livre de violência.

Aperto de mãos através da Arábia

Certamente, a inclusão do Irã por parte de Morsi no Grupo de Contato proposto representou ignorar a Arábia Saudita, que promoveu a cúpula da OCI. Depois houve a linguagem corporal, que é importantíssima em conferências entre árabes. À margem da cúpula da OCI, Morsi trocou apertos de mão e beijos com o presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad e falou-lhe de maneira muito calorosa.

Teerã cumprimentou rapidamente a proposta de Morsi, o que por sua vez levou ao apreço pela Irmandade no Cairo que viu na calorosa reação de Teerã uma confirmação inconfundível de que o Egito começa a recuperar parte da influência diplomática e estratégica que teve outrora na região. Uma espécie de sociedade de admiração mútua formou-se entre Cairo e Teerã em meio aos áridos desertos da Península Arábica.

Três coisas emergiram da participação de Morsi na cúpula da OCI. Primeiro, Morsi mostrou que o Egito propõe levar a cabo uma política exterior independente dos planos ocidentais ou dos países petroleiros do Golfo. Isto é, o Egito já não seguirá docilmente seus passos nem aceitará uma posição inferior.

Segundo, o Egito não vê a Turquia como um modelo, apesar da sonora propaganda ocidental desde o aparecimento da Primavera Árabe de que o islamismo do tipo ao que se adere o atual governo dirigido por Recep Tayyip Erdogan é uma receita válida para um Oriente Médio doente. Erdogan voltou de uma visita ao Cairo no ano passado imaginando que era uma estrela do rock para os egípcios, mas ao que parece não é o que pensa Morsi.

Terceiro, a decisão de Morsi de incluir o Irã como sócio na busca da paz na Síria significou uma rejeição do enfoque ocidental e saudita-turco. À margem da cúpula da OCI, o Ministro de Relações Exteriores egípcio Mohammed Amr também se reuniu com seu homólogo iraquiano Al Akbar Salehi para urgir que o Teerã ajude a solucionar a crise síria.

Na verdade, ainda é cedo, mas a decisão de Morsi de visitar o Irã (país com o qual o Egito não tem relações diplomáticas) só pode ser vista como um ato estratégico com profundos envolvimentos para a segurança regional e a política global. Requer uma verdadeira explicação.

Por uma parte, o Irã é o primeiro país muçulmano depois da Arábia Saudita que visita Morsi no Oriente Médio. A rua árabe tomará nota de que os Irmãos Muçulmanos no Egito recusam a noção (propagada pela Arábia Saudita e pelo Ocidente) de uma “meia lua xiita” dirigida pelo Irã que propõe uma ameaça às comunidades sunitas no Oriente Médio muçulmano.

Evidentemente, o Egito propõe normalizar suas relações com o Irã, enquanto o Egito de Mubarak estava inundado de temores maniqueístas de conspirações iranianas para desestabilizá-lo. As coisas mudaram. O líder adjunto da Irmandade, Mahmud Ezzat, disse recentemente a Associated Press: “O antigo regime costumava converter a qualquer de seus rivais [de Mubarak] num fantasma. Nós [a Irmandade] não queremos fazer como Mubarak e exagerar no temor contra o Irã”.

Do ponto de vista de Teerã, isto representa um grande progresso diplomático e geopolítico num tempo difícil quando as conversas P5+1 do Irã estão num ponto morto. Dito simplesmente, as equações no Oriente Médio de repente caíram na incerteza. Pretendia-se que tudo fosse um pequeno logaritmo do “campo de Teerã (Irã, Síria, Hezbollah e Hamas)” contra o “campo estadunidense (Arábia Saudita, Israel, Turquia e Catar)”. Mas Morsi está cruzando despreocupadamente essa barreira geopolítica.

Poderia ocorrer uma grande reordenação da política regional? No mínimo, o caleidoscópio está mudando e de repente parece que as situações da Síria, Líbano ou Gaza poderiam estar carregadas de novas possibilidades. (Na verdade, Morsi deixou claro na cúpula da OCI que qualquer enfoque da crise síria não deve tirar a atenção do problema palestino, que é o tema crucial para o mundo muçulmano).

A grande pergunta é que impulsiona à Irmandade do Egito. A crença geral é que os Irmãos Muçulmanos são gente muito cautelosa e que demorarão o tempo necessário para reajustar o cálculo de poder no Cairo, para não falar da bússola da política exterior do Egito. Mas no último período de oito dias, começou a emergir uma nova imagem dos Irmãos Muçulmanos. Qual é a explicação?

Nenhuma volta à era Mubarak

Em retrospectiva, as medidas de Morsi em relação aos militares há uma semana foi um golpe preventivo. Os Irmãos Muçulmanos consideraram que sua melhor possibilidade seria aproveitar a onda de altas expectativas na opinião pública a favor de mudanças fundamentais nas políticas nacionais e que qualquer demora e desídia em fazê-lo levaria a que os militares conseguissem superioridade e a neutralizar politicamente a liderança de Morsi.

Igualmente, os Irmãos Muçulmanos desconfiam do papel dos EE.UU. e de suas verdadeiras intenções em relação à liderança de Morsi. Há que recordar que a Irmandade (e o Hamas) acusaram explicitamente o Mossad de Israel de ser responsável pelo ataque terrorista no Sinai no dia 5 de agosto.

Não está claro o que conduziu os Irmãos Muçulmanos a chegar a essa conclusão, mas o Sinai tem sido um lugar sem lei durante décadas e é inconcebível que os serviços de inteligência israelenses não tenham prestado atenção aos grupos islâmicos militantes lá presentes. Na realidade, o que verdadeiramente sucedeu a 5 de agosto segue sendo uma incógnita e é duvidoso achar que os beduínos possam organizar uma operação tão profissional.

Ademais, há outro fator irritante. O ataque terrorista no Sinai ocorreu depois das reuniões de Morsi com os dirigentes do Hamas no Cairo e sua decisão de aliviar parcialmente as restrições no cruzamento em Rafah, o que por suposto converteu num deboche o “bloqueio” de Gaza por Israel.

Seja como for, o ataque no Sinai teve lugar inclusive enquanto os EE.UU. aumentavam a pressão sobre Morsi para que ressuscitasse de modo ótimo as relações de segurança e militares da era Mubarak entre Cairo, Washington e Tel Aviv. Tanto Clinton como Panetta fizeram o possível para persuadir Morsi de recuperar o espírito da cooperação tripartite dos EE.UU.-Egito-Israel em relação ao Sinai.

No entanto, os Irmãos Muçulmanos se dariam conta de que semelhante regresso às políticas em relação a Israel da era Mubarak seria profundamente recusado pelo público egípcio –islâmicos e seculares da mesma forma – e ademais desacreditaria à Irmandade e erosionaria a credibilidade da presidência de Morsi, em suma, um suicídio político. Os Irmãos Muçulmanos também saberiam que qualquer configuração das estratégias regionais com o foco colocado no terrorismo eliminaria toda possibilidade de mudança política em relação a Gaza.

Resumindo, a decisão de Morsi de abrir uma linha para Pequim e Teerã deve ser considerada num contexto de grande profundidade. Os Irmãos Muçulmanos esperam com apreensão um plano estadunidense-israelense para desestabilizar o governo de Morsi se não se ajustar aos ditames de Washington. Por isso, procuram possibilidades de reduzir o atual nível de dependência exagerada dos EE.UU. e seus aliados do Golfo diversificando as relações externas do país e agregando cooperações contrapostas que ajudem a realçar a autonomia estratégica do país.

A próxima semana promete ser um momento definidor na política no Oriente Médio e os alinhamentos entre os árabes quando Morsi viajar a Pequim e a Teerã. Com o afastamento do Egito, as estratégias regionais dos EE.UU. estão muito equivocadas. A pergunta imediata será: o que ganharão, depois de tudo, ao conquistar Damasco com tanta violência brutal e bestialidade insensata se já se perderam o Cairo e Bagdá?

*O embaixador M. K. Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Exerceu suas funções na extinta União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão, Kuwait e Turquia.