Tuesday, March 13, 2012

[DesarticulandoIDEIAS] AFRICOM e os recursos naturais

 

Pere Ortega 
Centre d'Estudis per a Pau J.M.Delàs - Justícia i Pau 


Em fevereiro de 2007, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos anunciou a criação da infra-estrutura de um novo comando militar para a África, denominado AFRICOM e destinado a coordenar todos os interesses militares e de segurança estadunidense no continente africano.
Um comando que se insere na arquitetura militar que os EEUU têm estabelecida por muitas outras regiões do planeta. Desde 1983, os EEUU já tinham organizado o comando CENTCOM no Oriente Médio e nos países do Golfo Pérsico, incluindo o Egito. Sua missão era velar por seus interesses e os de seus aliados na região. Ademais, desde 1947 existia o PACOM que abarcava toda a área do Pacífico e que incluía as ilhas africanas de Madagascar, Comoros e Mauricio.
Antes da criação do AFRICOM, e até dezembro de 2006, quando os EEUU começaram a ajudar a Etiópia em sua invasão à Somália, estes comandos já mantinham uma relativa presença na África, e com frequência utilizavam forças especiais para treinar, equipar e trabalhar conjuntamente com os exércitos nacionais de países africanos aliados.
Depois da criação do AFRICOM a 30 de setembro de 2008, com sede provisória em Stuttgart (Alemanha), enquanto não se encontrasse um lugar mais apropriado na África, começaram a se desenvolver diferentes atividades:

Na Argélia, os norte-americanos constituíram um Centro de Estudos e de Investigação sobre Terrorismo, o que se completou com uma base de escuta eletrônica e de comunicações situada nas proximidades de Tamanrasset no sul argelino. Por sua situação geográfica, a zona meridional da Argélia encontra-se no epicentro de toda a região do Sahel e próxima aos poços de gás argelinos.

No Marrocos, o Pentágono dispôs estabelecer um sistema de comunicações e de conexão entre o AFRICOM e o Comando de Forças estacionadas na Europa com sede em Stuttgart, e instalar uma base naval em Tan Tan, ao sul de Agadir. Ambos projetos continuam em estudo sem se terem materializado.

No Níger, Chade e Mali, propôs-se instalar quartéis para a formação de Comandos e Unidades especiais antiterroristas, dirigidas por oficiais norte-americanos da escola de Fort Bragg.

Também se cogitou a possibilidade de estabelecer o comando do AFRICOM na Libéria.

Na ilha de São Tomé e Príncipe, por sua posição estratégica no Golfo da Guiné, onde se levam a cabo prospecções e se encontraram poços de petróleo, há especulações de que poderia se instalar uma base naval estadunidense.

Uma coalizão internacional de 18 países liderada pela França, Reino Unido e EEUU, e coordenada pela OTAN, no amparo de duas resoluções das Nações Unidas (17/3/2011), iniciou os ataques à Líbia.

Esta nova guerra foi dirigida do posto de comando que os EEUU têm na base de Stuttgart na Alemanha, sede do AFRICOM. Deste modo, o AFRICOM recebia o reconhecimento como organismo que coordena e planeja as intervenções militares na África.
Por um lado, estas atividades militares dos EEUU estão destinadas a exercer o controle sobre os recursos naturais africanos, especialmente os combustíveis fósseis que fluem para a América do Norte, e, nesse sentido, contrabalançar cada vez mais a importante presença da China na África. Por outro, estas respondem também ao objetivo de continuar com o compromisso da luta antiterrorista iniciada depois dos atentados de 11-S em qualquer ponto do planeta.

Concorrência pelos recursos naturais

Este compromisso dos EEUU com a África, baseado num enfoque militar, reflete o interesse do governo durante a presidência de George W. Bush para controlar os considerados recursos estratégicos do continente africano, especialmente o petróleo, o gás e o urânio. Cabe recordar que a Nigéria é o quinto país exportador de petróleo aos EEUU e que junto com Guiné Equatorial e Angola abastece 20% de combustíveis fósseis a este país, com possibilidades de chegar a 25% em 2015. O nascimento do AFRICOM realça, pois, o interesse dos EEUU para o acesso e controle das indústrias extrativas e, muito particularmente, do petróleo.
Recordamos também que o Sudão e a Líbia de Gadafi, que estivam na lista do Departamento de Estado dos EEUU como países que promoviam o terrorismo, passaram a ser considerados sócios na luta contra o terror. Ambos países tinham desencadeado exitosas campanhas diplomáticas que lhes permitiram melhorar suas relações com Washington. Nesta dinâmica, as companhias estadunidenses beneficiaram-se das licenças de exploração de petróleo na Líbia e a sua vez de acesso aos recursos petroleiros do Sudão.
A aproximação da Casa Branca a São Tomé e Príncipe poderia ser explicada pela posição estratégica da ilha no Golfo da Guiné, onde se encontrou petróleo. E onde se especula que seria o lugar eleito para uma base naval estadunidense. São Tomé e Nigéria compartilham uma área com reservas de petróleo estimadas em 11 bilhões de barris.

A estratégia estadunidense na África corre casada à da França e do Reino Unido, pois opta pela presença militar, ainda que vá além como o aponta a criação de um comando especial. Em contraposição, difere da levada a cabo pela China. Na última década, a China optou por intensificar suas relações comerciais com os países africanos, com o interesse em conseguir recursos minerais e energéticos que ajudem à forte demanda que este país precisa para seu desenvolvimento. O interesse pelos recursos africanos por parte da China mostra-se no intercâmbio comercial. Em 2010, a China importou recursos da África pelo valor de cem bilhões de dólares (segundo o FMI). Ademais, 500.000 chineses emigraram para trabalhar na África nos diversos investimentos deste país. No Sudão, investiram 15 bilhões, país de onde a China importa petróleo e produtos agrícolas; na Etiópia, 15 bilhões, de onde importa minerais; na Nigéria 10,7 bilhões em infra-estrutura e extração de petróleo; na R.D. Congo, 8,86 bilhões em madeira e construção; em Angola 4,5 bilhões em infra-estrutura; na África do Sul, 3,6 bilhões na indústria; no Gabão 2,6 bilhões na extração de madeira e petróleo. E ainda, Pequim contribuiu com mais de 8 bilhões de dólares a Angola, Nigéria e Moçambique em 2006, o que supera com sobras os 2,3 bilhões de dólares que o Banco Mundial destinou a toda a África subsaariana nesse mesmo ano.

A guerra contra o terror
 

No marco da estratégia de luta contra o terrorismo, os EEUU reforçaram sua presença militar no Chifre da África por meio do estabelecimento de um quartel militar no Djibouti, onde 800 efetivos, incluídos 400 soldados de elite, estabeleceram uma base com o objetivo de manter vigiada essa zona diante das suspeitas da existência de grupos terroristas vinculados com a Al-Qaeda. A presença do grupo Al-Shaabab na Somália com acampamentos de adestramento de jihadistas provavelmente unidos com a Al-Qaeda, converteu a Somália em outro alvo militar dos EEUU, quem em setembro de 2009 mediante um comando militar assassinou o líder do grupo local filiado a Al-Qaeda. E enviou ainda navios de guerra para vigiar a costa somali, já que a frágil estrutura governamental, os escassos níveis de controle nas fronteiras e a instabilidade política, econômica e social do país são elementos que convertem a Somália em refúgio de grupos terroristas.

O porto de Mombassa (Quênia) alberga uma base para aviões militares dos EEUU encarregados de controlar qualquer sinal de atividade terrorista na costa leste da África. Por sua vez, o Quênia alberga a maior estação da CIA na região, a quem preocupa que o grupo somali Al-Shaabab possa se estabelecer neste país. 
No Sudão, grupos de oficiais norte-americanos estabelecidos vigiam para tratar de impedir que este país possa converter numa base de grupos armados salafistas. 
Ademais, os EEUU enviaram tropas à região do Sahel, onde equipes norte-americanas formam as forças antiterroristas locais do Marrocos e da Argélia, para sua atuação no Sahel da Mauritânia, passando por Argélia, Chade, Mali, Níger, Burkina Faso. O esforço faz parte de um programa denominado Iniciativa Pan-saheliana, desenhado para prover treinamento antiterrorista.

Nesse sentido, o alcance global que se pretende dar à luta antiterrorista se desvirtua na medida em que se foca naquelas regiões com recursos estratégicos como Oriente Médio, Ásia Central e África. A linguagem utilizada com o terrorismo converteu-se numa desculpa ao serviço de interesses específicos e serviu para justificar as ações que buscam proteger os ditos interesses ao redor de todo o mundo. Assim, em março de 2011, a administração Obama publicava a Resenha Quadrienal da Defesa 2010 (QDR, por suas siglas em inglês). Este documento define os planos militares dos EEUU para os próximos quatro anos. A QDR aprofunda as linhas desenhadas na Estratégia Nacional de Defesa de 2008 do final do mandato de George W. Bush e define as operações militares que se deveriam utilizar em guerras não convencionais. 
A QDR já está sendo levada a cabo e unidades militares dos EEUU estão trabalhando no Chifre da África e no Sahel, proporcionando capacitação, assessoramento e equipamento às forças armadas do país colaborador sobre como combater, expulsar ou desmantelar as redes terroristas e insurgentes. Concretamente, os EEUU desenvolveram forças especiais para combater em conflitos de pequena escala ou de baixa intensidade, para realizar operações secretas com assassinatos seletivos de supostos terroristas em diversas localizações, como as levadas a cabo no Iêmen, Somália ou Paquistão a supostos militantes da Al-Qaeda com mísseis teledirigidos e aviões não tripulados.

 
Oposição ao AFRICOM
 


A nova obsessão dos EEUU com o AFRICOM e seu enfoque militar tem diversas consequências:
 

• Aumenta a interferência dos EEUU nos assuntos internos dos países da África.

Atrairá mais armamento militar ao continente, aumentando o risco de desestabilização interna dos países que já sofrem conflitos armados ou tensões internas.

Ajudará a construir mecanismos de maior repressão dos Estados contra os dissidentes políticos, reforçando práticas antidemocráticas.

Considerar a força militar uma prioridade mais importante que o desenvolvimento e a diplomacia cria um desequilíbrio que poderia animar regimes irresponsáveis a utilizarem a ajuda militar dos EEUU para oprimir à população.

Estes tipos de políticas criam instabilidade, fomentam as tensões e fazem da África e do mundo um lugar menos seguro. 
A estratégia de contra-insurgência global da atual política exterior dos EEUU não dá margem para a esperança e para a paz. Não é uma política que busque encontrar soluções aos problemas que dão origem ao extremismo violento. Mas, em con
trapartida, podemos assegurar que a instalação de bases militares, a ostentação do poderio armado e a fragilização da legalidade internacional com uma política de assassinatos seletivos não farão mais que atiçar o ódio e a espiral da violência contra o primeiro mundo. A África não precisa uma maior militarização. O que a África precisa são mecanismos para responder a suas necessidades de desenvolvimento que serão os que realmente ajudarão à pacificação dos seus conflitos.

 

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