Apesar de a desestabilização da Síria facilitar um eventual conflito contra o Irã, uma guerra declarada representaria uma aceleração da crise econômica capitalista e um embate de grandes proporções, o qual não envolveria apenas o Oriente Médio.
Nos últimos meses, as provocações e tentativas de desestabilização lançadas pelas potências imperialistas ligadas à OTAN contra o Irã recrudesceram. O país, terceiro maior exportador de petróleo do mundo e o segundo em reservas de gás, é um dos poucos na região a desenvolver um projeto nacional mais autônomo, em curso desde a revolução islâmica de 1979, e é acusado, na atual campanha propagandística, de desenvolver a tecnologia atômica para fins bélicos. O programa nuclear iraniano é, com efeito, uma tentativa de substituição em médio prazo da dependência em relação a uma fonte de energia não renovável, enquanto o país ainda tem recursos para este tipo de investimento.
O próprio secretário de defesa dos Estados Unidos, Leon Panetta, admitiu em janeiro no programa “Face the Nation” da CBS: “eles estão tentando desenvolver uma arma nuclear? Não. Mas nós sabemos que eles estão tentando desenvolver capacidade nuclear. E isso nos preocupa. Nossa mensagem ao Irã é: não desenvolvam uma arma nuclear. Isso é uma questão crucial para nós”. No final de 2011, o chefe do Mossad Tamir Pardo questionou numa audiência com cem embaixadores israelenses: “Qual é o significado do termo ‘ameaça existencial’? O Irã representa uma ameaça para Israel? Com certeza. Mas se alguém disser que uma bomba nuclear em mãos iranianas seja uma ameaça existencial, isso significaria que teríamos que fechar nosso mercado e voltar para casa. Esta não é a situação. O termo ‘ameaça existencial’ é muito usado de maneira indevida”. Ou seja, apesar da alegação mentirosa, repetida constantemente pela propaganda sionista, de que o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad teria dito que Israel deveria ser varrida do mapa, seu serviço de inteligência atesta que a república islâmica não constitui efetivamente um perigo mortal.
Consolidada a partilha interimperialista da Líbia a partir de fins de outubro do ano passado, a atenção voltou-se para a Síria e o Irã. O primeiro ainda hoje sofre com os grupos paramilitares armados pela Turquia, ao norte, e por Israel, ao sul, alvo também de uma feroz campanha mediática e diplomática internacional. O segundo, por sua vez, é referido como “o país que mais financia o terrorismo internacionalmente” por Washington e vê intensificadas as tradicionais agressões, conduzidas por Israel, Estados Unidos e União Europeia, que já vem sofrendo nos últimos anos. Guerra cibernética, sabotagens econômicas, invasão do espaço aéreo e eliminação física de personalidades ligadas ao programa nuclear são alguns aspectos desta estratégia agora reforçada.
Em meados de outubro, os Estados Unidos acusaram o país de envolvimento na tentativa de assassinato contra o embaixador saudita Adel al-Jubeir. O Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), entidade política do Golfo Pérsico que reúne Catar, Omã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Bahrein, todos obedientes neocolônias, logo condenou o ocorrido, fazendo uma referência explicita ao Irã. Seu secretário-geral Abdullatif al-Zayani disse: "representam flagrante e inaceitável violação a todas as leis, acordos e tratados internacionais e danifica os laços entre os países do CCG e o Irã". No mesmo sentido foram as acusações de que a república islâmica estaria por trás das revoltas dos xiitas contra a monarquia da família sunita Al-Khalifa no Bahrein. A participação do Irã nos dois casos nunca ficou comprovada, mas, de qualquer forma, os Estados Unidos aproveitaram a ocasião para renovar as sanções contra o país.
Em novembro, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) apresentou um relatório alegando que o Irã teria trabalhado para desenvolver armas nucleares, mas não trouxe qualquer comprovação de que o país tinha material para uma possível bomba, tampouco de que teria uma disposição real de fabricá-la. De acordo com este “documento”, Vyacheslav Danilenko, antigo especialista soviético na fabricação de armas, teria ajudado o Irã a desenvolver seu programa nuclear entre 1996 e 2002. Entretanto, segundo o historiador e jornalista investigativo estadunidense Gareth Porter, Danilenko é um cientista ucraniano que trabalha com nanodiamantes, pequenos diamantes produzidos a partir de explosões e usados para diversos fins na indústria e na medicina. Aliás, a maior parte da argumentação do relatório remonta a atividades anteriores a 2003 e suas fontes foram extraídas dos serviços de inteligência dos Estados Unidos e de seus aliados, além de reciclar velhas informações já descartadas pela própria AIEA anos atrás. Outro elemento que torna este relatório extremamente duvidoso é a denúncia do jornal The New York Times de que o diretor-geral da AIEA, Yukiya Amano, teria ido para a Casa Branca e apresentado o relatório para Obama duas semanas antes de sua publicação oficial. O Irã, além de ter rechaçado completamente o relatório, recordou a hipocrisia desta agência de não investigar Israel, único país da região que tem, de fato, armas atômicas nunca verificadas e não signatário do Tratado de Não Proliferação.
Entre novembro e dezembro, os Estados Unidos usaram o relatório como um pretexto para impor mais sanções ao setor financeiro e petrolífero iraniano, além de ameaçar com sanções indústrias envolvidas com o programa nuclear deste país. Em resposta, o Irã acenou a possibilidade de bloquear suas águas territoriais no Estreito de Ormuz, o que implicaria um aumento no preço do petróleo. Rússia e China rechaçaram as sanções, mas os Estados Unidos e seus aliados da OTAN impuseram-nas unilateralmente.
No mesmo período, o Irã revelou um alto preparo militar para estas provocações. Primeiramente, capturou o avião não tripulado estadunidense Lockheed Martin RQ-170 ainda em voo: quando o drone espião invadiu o espaço aéreo iraniano, a Força Aérea do país manipulou-o eletronicamente e trouxe intacto para o solo, de modo a ser estudado e copiado. Além disso, o governo denunciou o ato de hostilidade à ONU, já que o avião foi “derrubado” nas proximidades da planta enriquecedora de urânio de Fordo. Poucos dias depois, o país sentenciou o espião iraniano-estadunidense Amir Mirzaei Hekmati, quem confessou ter trabalhado para o serviço de inteligência da potência imperialista, à pena capital. Cabe ressaltar que o Irã não tem projetado uma retórica militarista, pelo contrário, o presidente Ahmadinejad reforça que as agressões do imperialismo são sinais de sua debilidade, da falência de seu discurso, não de sua força.
No começo de janeiro, o engenheiro químico iraniano Mostafa Ahmadi Roshan, que trabalhava na planta de enriquecimento de urânio de Natanz, foi assassinado num atentado a bomba contra seu carro em Teerã. O governo do Irã prontamente acusou o Mossad e o grupo Mujahedine-e Khalq, próximo ao Ocidente, do ataque terrorista. De fato, a organização israelense é especializada em operações com bomba, mas a participação direta dos Estados Unidos não pode ser descartada: nos últimos anos, a potência esteve diretamente envolvida no assassinato de diversos cientistas ligados às pesquisas nucleares do país persa (sem contar que o assassinato ocorreu somente dois dias depois do julgamento do espião estadunidense). Depois do atentado, um antigo membro do Mossad, Ilan Mizrahi, declarou que “a guerra secreta entre o Irã e outros países, como Israel, Estados Unidos e Arábia Saudita, está e marcha praticamente desde a revolução de 1979” e, nesta guerra, como detalhou, participam setores da frágil oposição pró-imperialista iraniana. Acrescentou ainda que a situação atual era “algo intermediário entre a guerra e a diplomacia, algo que pode desembocar em guerra aberta mas mantém abertas vias de contato mais ou menos encobertas”.
No final deste mês, a União Europeia, cujo banco central é controlado, desde 1º de novembro do ano passado, por Mario Draghi, ex-diretor-geral do banco Goldman Sachs entre 2002 e 2005, uniu-se aos Estados Unidos e a Israel no boicote contra o Irã. Até o dia 1º de julho, os países europeus deverão parar de comprar petróleo iraniano, a fim de sufocar economicamente o país. Desde setembro, medidas como as sanções assinadas por Obama contra o Banco central, boicote nas exportações de petróleo, etc já fizeram a moeda do país, o rial, desvalorizar em 35%. Isso levou o presidente Ahmadinejad a diversificar cada vez mais seus parceiros políticos e econômicos e aproximar-se da China e dos países que compõem a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA). Entretanto, para o Irã, o comércio com a Europa representa cerca de 18% de suas exportações de petróleo, enquanto para alguns países deste continente o petróleo vindo do país persa chega a corresponder a quase 1/3 de suas importações. Apesar de vender mais, em termos absolutos, para China, Índia e Japão, os países que mais dependem do petróleo iraniano são Sri Lanka (100%), Turquia (30,6%), África do Sul (25%) e Grécia (22,6%). Além disso, apesar de a Arábia Saudita ter garantido que substituirá o Irã como fornecedor de petróleo, organismos como o FMI e o Banco Mundial preveem que o boicote europeu provocará uma alta no valor do “ouro negro” e consequentemente uma queda ainda maior no crescimento global. Este foi o motivo pelo qual o próprio Irã se adiantou e o ministro do petróleo Rostam Qasemi anunciou que o país cortará antes as exportações de petróleo para a Europa. Ou seja, obedecer politicamente os ditames de Washington afetará ainda mais uma Europa em crise, principalmente Grécia, Espanha e Itália, os quais dependem significativamente da compra de petróleo iraniano e fazem parte dos PIIGS, os países europeus em crise.
Na virada do ano, os Estados Unidos venderam armas para os países-fantoches mais expressivos da região: US$30 bilhões em aviões de combate F-15SA para a Arábia Saudita e US$11 bilhões em tanques, veículos militares, munições etc para o Iraque (o problema, para os Estados Unidos, é que, neste último caso, o governo iraquiano está nas mãos dos xiitas, simpáticos ao Irã). Enquanto reforçava sua presença militar naval no porto do Bahrein, sede de sua Quinta Frota, os Estados Unidos anunciavam um plano de envio de 9000 tropas para exercícios de guerra – defesa aérea e antimísseis – com Israel (como o Irã não representa qualquer perigo a não ser se for atacado, a intenção fica muito clara) e, para o Kuwait, foram enviadas duas brigadas de infantaria e uma unidade de helicópteros. Estas manobras conjuntas dos Estados Unidos no Golfo Pérsico tiveram início em maio de 2003, logo depois da invasão ao Iraque, e contemplam não somente a contenção, mas a invasão efetiva do Irã (no final de 2006, o Pentágono chegou a lançar a simulação Vigilant Shield 07, que envolvia o país do Golfo Pérsico, a Rússia, a China e a Coreia Democrática). A Inglaterra, com o destroyer HMS Daring, e a França, com o porta-aviões Charles de Gaulle, também começaram suas movimentações navais e os Estados Unidos planejam enviar, até abril, o submarino nuclear USS Annapolis, o destroyer USS Momsen e o porta-aviões Enterprise com mais de cem mísseis BGM-109 Tomahawk.
O Irã, por sua vez, fez exercícios militares em águas internacionais, próximas ao Estreito de Ormuz, durante dez dias no final de dezembro, durante os quais testou os mísseis Qadar e Noor de longo alcance. Em fevereiro, anunciou novos exercícios e o desenvolvimento de 21 novos sistemas de defesa de fabricação própria. Além de a estreiteza do Estreito de Ormuz jogar a seu favor, o país tem um sistema de defesa aéreo baseado em mísseis russos S-300 e status de observador na Organização de Cooperação de Xangai, entidade contraposta à OTAN com Rússia, China e Ásia Central. A defesa iraniana tem-se preparado para uma confrontação contra os Estados Unidos há décadas e sabe que não pode se engajar numa competição militar direta com a grande potência. Sua estratégia seria um sistema assimétrico híbrido que combine tecnologia avançada com táticas de guerrilha. Entre os países da região, o Irã conta com forte apoio das comunidades xiitas (significativas no Bahrein, Líbano, Ásia Central e Iraque e próximas a regiões estratégicas na Arábia Saudita), além de sua proximidade política à Síria, estrategicamente localizada no Mar Mediterrâneo. Um eventual bloqueio iraniano em Ormuz, estreito pelo qual passam 40% do petróleo mundial, pôde ter sido apenas uma ameaça agora, mas ocorreria realmente no caso de um conflito e afetaria de forma decisiva os cartéis ligados a este combustível fóssil. O próprio FMI reconheceu que, apesar das rotas alternativas, isso neutralizaria grande parte da OPEP.
Apesar de a desestabilização da Síria facilitar um eventual conflito contra o Irã, uma guerra declarada representaria uma aceleração da crise econômica capitalista e um embate de grandes proporções, o qual não envolveria apenas o Oriente Médio. A oposição iraniana poderá até ser usada nas próximas eleições, em março, para reverter a autonomia lograda nestes últimos 33 anos, mas é muito difícil que tenha qualquer expressividade nacional, já que se trata de um grupo muito dividido e concentrado na burguesia neoliberal da capital. A opção pela “guerra suja” parece a melhor solução por ora para debilitar o Irã, porém ela apresenta também seus problemas: evidencia as intenções imperialistas dos Estados Unidos e da OTAN contra um país autônomo, rico em combustíveis fósseis e que apoia a luta do Hezbollah e a causa palestina; escancara a conivência das ditaduras títeres árabes e da Liga Árabe com este imperialismo e com o sionismo; fortalece a convicção do povo iraniano, já que este não deseja perder sua soberania, e torna os xiitas, em geral, mais coesos em torno da causa iraniana; leva o governo do Irã a se aproximar de Cuba, China e Venezuela, reforçando seus laços político-econômicos e geoestratégicos com estes países; além de encarecer o preço do petróleo, podendo significar ainda mais recessão para a Europa (e para o mundo capitalista). De qualquer forma, o recrudescimento da guerra suja contra o Irã deve ser entendido a partir da análise de Lênin em Imperialismo, fase superior do capitalismo: “quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se toma à insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias”.
Vinicius C.
(bacharel em História pela Universidade de São Paulo)
o original se encontra na edição 456 do Jornal Inverta (http://bit.ly/wXjzXN)
No comments:
Post a Comment